Entre 'pudins instantâneos' e 'becos sem saída'

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O romance enquanto receita fácil de "pudim instantâneo"; a poesia de fim de século XX a que aplicava a metáfora do "beco sem saída". Diagnósticos genéricos de João Gaspar Simões que, ao aproximar a lupa, ia descobrindo nomes que ainda se mantém no activo. Nomes então novos e que o tempo confirmaria como valores seguros. Maria Velho da Costa, Rui Nunes, Vasco Graça Moura, Fiama Hasse Paes Brandão, João Miguel Fernandes Jorge, Gastão Cruz, Eduarda Dionísio, Nuno Júdice, o tal poeta que fazia a ligação da poesia com o real e que serviu àquele que era o mais temido e respeitado dos críticos para dissertar sobre o destino da poesia.

Foi em 1986, nas páginas do DN, onde assinou uma coluna durante 32 anos. Interrogava-se então Gaspar Simões: "Não estará hoje a poesia - não só a nossa, a portuguesa, toda a poesia - não estará hoje a poesia num beco sem saída?" O texto, a que deu o título de Poesia: Jogo Perigoso, apresentava o livro de um então jovem poeta para tentar mostrar que existia uma "bóia de salvação" para a tal poesia a "naufragar, a dois passos de um impasse, esse impasse em que toda a poesia se vê quando se não alimenta do jogo do real, antes pelo contrário se nutre do jogo da própria poesia". A ligação ao real, encontrava-a ele em Nuno Júdice, "um dos mais representativos poetas do nosso tempo", mais concretamente, num livro então publicado, Liras de Líquen.

Desde que se estreara, em 1972, com Noção de Poema, que Nuno Júdice vinha merecendo a atenção de Gaspar Simões. Ainda na poesia, em 1973, descobria João Miguel Fernandes Jorge, de quem disse ser "uma clareira na estéril safra poética onde as espigas colhidas são todas mais ou menos amadurecidas em estufas literárias".

Excepções no romance

Se era com maus olhos que via a generalidade da arte poética, não era mais generoso para com o romance. Veja-se o que escreveu em Novembro de 1969. "Diríamos que o romance português, depois de um surto de autênticas vocações, estagna ou, mais grave, se esteriliza em receitas de aplicação taxativa tão fáceis de cozinhar como os chamados pudins instantâneos." É neste contexto que acusa os portugueses de copiar os "figurinos franceses", mas aponta excepções: a estreia de Rui Nunes com As Margens. "Jovem autor [...] muito novo ainda, verde nas ideias e nas reacções [...] não se trata, sem dúvida, de um desses escriturários do romance que fazem ficção de vanguarda com a mesma pontualidade com que assinam o ponto na repartição onde redigem ofícios muito correctos."

Já antes, em 1970, Maria Velho da Costa (que haveria de ser Prémio Camões em 2002), outra então estreante, com o romance Maina Mendes, teve nota positiva do avaliador. "Não temos dúvidas em afirmar, mesmo, encontrar-nos em presença de um dos casos de prosa mais singulares da segunda metade do nosso século."

Camilo ou Eça

Eram os novos, descobertas de Gaspar Simões entre leituras de clássicos, mais ou menos contemporâneos, e algumas questões sem tempo, tão actuais quanto as que alimentam a discussão entre adeptos de Camilo e Eça. Foi em 86. Poderia ser agora. "Se porventura viesse a publicar-se em Portugal um livro no estilo daquele que se publicou, há anos, em Inglaterra, Tolstoi or Dostoiesvski, obra de um crítico eminente, George Steiner, isto é, se porventura alguém ousasse escrever entre nós um trabalho idêntico, Camilo ou Eça, trabalho esse onde, de uma vez para sempre, se formulassem os tópicos básicos da distinção entre o génio do autor do Amor de Perdição e o do autor de Os Maias, a primeira coisa que haveria que tomar em conta seria essa mesma, aquela que nos permite dizer que Eça de Queirós, escreveu realmente, romances, enquanto Camilo Castelo Branco escreveu, de facto, novelas."

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