Trump ganhou e, uma semana depois, dou comigo a pensar: "Como é possível que um comunista partilhe boa parte da análise feita à escolha de presidente dos Estados Unidos da América com pessoas de direita ou centro-direita como Miguel Esteves Cardoso, João Miguel Tavares, António Lobo Xavier, Pedro Lopes Marques, António Araújo ou José Manuel Fernandes? O que é que está aqui de errado?....O primeiro erro é uma recorrente analogia de alguns desses comentadores entre o populismo de Trump e de outros movimentos de extrema-direita europeia com o que eles apelidam de "populismo de esquerda", onde colocam o Syriza da Grécia, o Bloco de Esquerda e o PCP..O PCP soma 95 anos de luta de classes combativa, dura, com um sentido de responsabilidade e de Estado que evitou, várias vezes, a queda da sociedade portuguesa num precipício degenerativo e radical, percebendo sempre corretamente as limitações concretas da realidade que em diversos tempos históricos enfrentou - esticando ao máximo a corda do combate político mas nunca deixando-a romper, mesmo sabendo que com isso perderia batalhas onde se empenhara a fundo..Chamar a este partido de "populista" é cair num erro grosseiro. Como sou militante do PCP muitos leitores dirão que é a cegueira partidária que me faz escrever, mas julgo mesmo que estou a ser totalmente correto na afirmação..Também em relação ao Bloco de Esquerda, apesar da sua tentação pela facilidade do espetáculo mediático e demagógico, parece-me injusto apelidá-lo de "populista" vendo, por exemplo, a ação legislativa desse partido no Parlamento, séria e muito trabalhada..A segunda coisa errada nestas análises é ficar sublimada a presunção de que as críticas de Trump à globalização, aos excessos de Wall Street, ao establishment de Washington ou a vontade de aumentar o investimento do Estado ou de reforçar o protecionismo da economia são familiares aos programas dos partidos mais à esquerda na Europa..Isto é confundir meios com os fins. O que Trump quer nada tem a ver com os objetivos desses partidos: ele, basicamente, luta para que uma fação do capitalismo norte-americano se imponha às outras, nacionais e estrangeiras, que o têm, nas últimas décadas, dominado; os partidos da esquerda não social-democrata lutam por domar o capitalismo no seu todo, de forma a conseguir uma distribuição geral da riqueza mais justa e equitativa..Confundir Trump com a esquerda para tentar que a direita conservadora sobreviva à sua deriva radical não é sério e só ajuda o inimigo, que nos deveria ser comum e que traça caminhos capazes de levar, por exemplo, à possibilidade do regresso às nossas sociedades do racismo de Estado... É isso que querem?