Ensino e aprendizagem em mudança

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"Aprender e ensinar em tempos de emergência - o Instituto Camões abre o debate". Este foi o título escolhido pelo "DN" para dar nota aos seus leitores do 5º encontro anual da rede de Ensino Português no Estrangeiro (EPE), que se realizou a 22 e 23 deste mês nas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian.

Título desafiante, porque, ao mesmo tempo, reconhecia no Camões a capacidade de fornecer pistas válidas para a questão do momento na área educativa e dava-nos a responsabilidade de corresponder a essa expectativa e contribuir para o debate em curso.

Terminado o dia e meio de partilha intensa, que permitiu que olhássemos para o passado recente e projetássemos o ano letivo que está prestes a começar nos países onde ensinamos português às comunidades de língua portuguesa, o balanço não podia ser mais positivo.

Intervieram no evento cinco membros do governo português, das áreas dos negócios estrangeiros, educação e ensino superior, o que demonstra ao nível cimeiro da governação a abordagem colaborativa que o tema merece nas nossas políticas públicas.

Registaram-se mais de 420 inscrições nas várias sessões de trabalho, presenciais e em linha, provenientes de 48 países, com 10 nacionalidades, tendo-se verificado uma média de assistência em cada momento superior a 200 pessoas. Estes números quadruplicam em relação a qualquer dos anos anteriores.

O evento teve mais de 40 intervenientes como oradores nos seus diversos momentos, número que sobe bem para lá da centena se considerarmos aqueles que intervieram nas salas de discussão, o que é elucidativo do nível de participação na iniciativa e das reflexões que se pretendiam.

Normalmente, o encontro anual do EPE culmina um ano letivo de trabalho e constitui uma oportunidade de convívio e partilha de experiências, elegendo-se um ou outro tópico de interesse comum como tema central.

Este ano o centro dos debates só poderia ser um e o encontro teria que ser diferente.

Desde março passado, toda a rede esteve empenhada em aprender a ensinar em tempos e em termos novos. Nada será como dantes e, seja qual for o cenário com que, daqui a pouco tempo, os nossos docentes se depararão nas escolas dos países onde ensinam, o ponto de viragem já se concretizou: o ensino e aprendizagem tradicionais têm que ser repensados.

Os resultados do notável esforço coletivo das equipas do Camões, na sede e no terreno, enquadradas pelas representações diplomáticas e consulares portuguesas e, nalguns casos, também pelas autoridades locais, foram amplamente discutidos nos dias 22 e 23 e servirão certamente de pistas de reflexão de qualidade para decisões a tomar e rumos a trilhar.

O mais importante e duradouro desses resultados é a escala inédita de aceleração, em apenas 4 meses, nas áreas do ensino não-presencial e do uso das ferramentas digitais.

Não quer isto dizer, de modo nenhum, que partíamos do zero. Há anos que o Camões se vem dotando de capacidades nessas áreas, aliás em linha com as tendências que se adivinhavam e que, abruptamente, se transformaram em realidades que vieram para ficar.

Simplesmente acelerámos. Verdade seja dita que não havia alternativa, mas há sempre uma margem entre ter que fazer e fazer efetivamente e de modo adequado às necessidades.

Criámos mais conteúdos. Estamos a certificar mais competências. Reforçámos a aposta na formação e no trabalho colaborativo.

Do ensino básico ao secundário e superior, em diferentes modalidades de ensino da língua portuguesa, o Camões investiu e continuará a investir tendo em vista a consolidação da rede de Ensino Português no Estrangeiro e a qualificação dos valiosos recursos humanos que a compõem e que são o pilar dessa rede.

Fazemo-lo em articulação com autoridades educativas nacionais, regionais e locais, com escolas e universidades, com associações e fundações, com instituições de referência e com consórcios que ajudámos a constituir.

Não sendo propósito deste texto enunciar de modo exaustivo as riquíssimas conclusões do encontro, que alimentarão a reflexão cooperativa futura, vale a pena registar as seguintes:

É possível ensinar e aprender em contexto de emergência. A criatividade e motivação dos docentes contagiaram positivamente os seus alunos, incluindo os mais novos, em relação aos quais havia fundadas dúvidas se conseguiriam acompanhar o ensino não-presencial.

Trabalhar de forma colaborativa, planear, envolver a comunidade educativa e, de modo particular, as famílias no processo, aproximar as aprendizagens dos aprendentes de modo a construir presença mesmo no não presencial, constituem algumas das notas de maior relevo.

A rede do EPE provou ter condições para responder com grande qualidade e com eficácia às situações que se lhe colocaram, bem como aos desafios que o futuro próximo não deixará de suscitar. As boas práticas desenvolvidas constituem uma mais-valia única.

A forma articulada como ocorre a relação entre docentes, coordenações e a sede do instituto constitui igualmente uma enorme vantagem.

É na nossa rede que estarão, por isso, as respostas a esses desafios de futuro.

Mas isso não se fará de modo eficiente sem o devido enquadramento, designadamente a nível da formação. A continuidade das parcerias já estabelecidas pelo Camões com instituições de ensino superior é aqui fundamental.

Não há paredes inamovíveis entre modalidades de ensino e aprendizagem. As soluções podem ser mistas, porque os conceitos tradicionais perdem atualidade. Expressões como "virtual enriquecido" ou "híbrido menos" podem vir a juntar-se ao leque de modalidades existentes.

O cenário mais desejado pela comunidade educativa é o de uma educação presencial com reforço da componente digital, não esquecendo que a última palavra, no caso da rede EPE, será sempre das autoridades educativas locais.

O repositório digital que resultou das experiências vividas pela rede nos últimos meses, e que poderá em breve ser consultado por todos os que o desejem, é seguramente um ativo relevante nessa matéria.

Pelo lado do Camões fica uma garantia: como instituto público que tem a responsabilidade do ensino português no estrangeiro, continuará a privilegiar o caminho colaborativo, para benefício da nossa língua, da nossa cultura, e das nossas comunidades.

Nota: contém alguns excertos da intervenção na sessão de abertura do encontro, no dia 22/7.

Luís Faro Ramos é presidente do Instituto Camões.

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