Enfrentar os problemas sociais de frente

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Portugal tem desafios sociais profundos. A mesma constatação genérica poderia ser feita sobre qualquer país no mundo. Podemos apontar, a título de exemplo, alguns dos temas mais mediáticos, como a precariedade, a saúde mental ou a redução das emissões de carbono. Ao inventário de problemas, tende a seguir-se a chamada por novas respostas disruptivas, idealmente um novo programa, modelo de intervenção ou até, quem sabe, uma nova aplicação móvel. No entanto, eu diria que, mais interessante seria refletir sobre o que falta transversalmente, na forma como abordamos problemas sociais, e que tem implicações diretas no sucesso de quaisquer novas respostas que possam surgir.

Não há dúvida de que o empreendedorismo social privado, seja ele por empresas ou por organizações não lucrativas, tem um papel a desempenhar na resposta aos desafios sociais. Por exemplo, a startup Código que capacita pessoas desempregadas para ingressarem no mercado de trabalho enquanto programadores. Ou o software de telemedicina da Knok que já ligava médicos e pacientes antes da pandemia Covid-19. Os exemplos são imensos e o seu potencial de impacto também.

No entanto, no contexto português, seria ingénuo não reconhecer que a inovação social no setor público é aquela com maior poder transformador. Os últimos 45 anos estão repletos de exemplos de políticas públicas que contribuíram para elevar a qualidade de vida de todos os Portugueses e reduzir desigualdades no acesso a oportunidades. Talvez não haja exemplo que ressoe mais no último ano do que a criação do Serviço Nacional de Saúde (e as iniciativas públicas que o precederam) aproximando-nos do acesso à saúde para todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social. A este soma-se uma longa lista de políticas públicas que suportaram o progresso social que vivemos nas últimas décadas, desde a criação do subsídio de desemprego, ao alargamento do ensino obrigatório, ou à lei da descriminalização do consumo (de drogas).

É evidente que temos desafios sociais persistentes: de acordo com o INE, em 2018, 17,2% da população em Portugal encontrava-se em risco de pobreza. A viragem do século trouxe-nos desafios novos como a iliteracia e exclusão digital que ameaça deixar uma série de pessoas fora de oportunidades sociais e profissionais. Perante este cenário, a tentação é gritar por mudanças radicais, "fora com o velho, venha o novo", mesmo que seja só semântica.

Mas antes de promover novas soluções, devemos olhar para o que existe, procurar perceber porque é que o que temos não está a chegar para responder a alguns dos desafios que enfrentamos, e reconhecer as áreas onde temos mais perguntas do que respostas. A principal barreira à mitigação de problemas sociais em Portugal não é a falta de reformas radicais, mas sim a - muito menos sexy - falta de avaliação e monitorização das respostas existentes, de foco em resultados, de trabalho coordenado e de processos de desenho de serviço interativos e focados nos utilizadores.

A título de exemplo: a importância da prevenção, na saúde física e mental, é reconhecida por todos os institutos públicos relevantes. No entanto, as respostas públicas em temas como a depressão ou a prevenção da diabetes tipo 2 são, no melhor dos casos, anímicas.

Vejamos: estima-se que cerca de 10% dos portugueses são diabéticos (OCDE, 2019). A esmagadora maioria destas pessoas sofre de diabetes tipo 2 que, com alguns caveats, é considerada uma doença prevenível através de um estilo de vida saudável. A estes somam-se mais de 2 milhões de portugueses que são considerados pré-diabéticos (Observatório Nacional da Diabetes, 2015), sendo que 9 em 10 não sabe que está neste intervalo de risco (Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2016).

O Observatório Nacional para a Diabetes estimou que em 2014, os custos diretos da Diabetes corresponderam a quase 1% do PIB (Freitas et al, 2019), incluindo testagem, medicamentos, consultas e hospitalizações. A este valor somam-se os custos indiretos associados ao aumento do absentismo, perdas de produtividade, incapacidade e mortalidade precoce. Para não falar dos custos associados ao bem-estar emocional das pessoas que sofrem de diabetes e das suas famílias.

Avaliados os dados, é estranho que a prevenção da diabetes tipo 2 represente um potencial de poupança tão grande e que no entanto se veja tão pouco progresso nesta área de política pública (ao contrário da área da gestão da doença, onde tem havido enorme evolução). Só uma cultura de avaliação e a coragem para enfrentar de frente o custo que temos - e que teremos - se este e outros paradigmas não mudarem é que pode injetar vigor nos programas e iniciativas públicas de prevenção.

A avaliação de impacto deve começar por definir quais são os resultados que se pretende atingir. A esta definição, segue-se a análise das mudanças que efetivamente ocorreram na população como resultado de determinada iniciativa, sejam elas positivas ou negativas. Disto deve depender a continuidade ou não das iniciativas, o redesenho das mesmas, a escala em que a solução é implementada, a alocação de verbas, os parceiros envolvidos, entre muitas outras consequências que levam ao impacto positivo do projeto em causa: a resolução efetiva dos desafios sociais.


Head of Government Performance da MAZE

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