Enfermeiros dizem que orientações da DGS para partos não podem ser revogadas
As novas orientações emitidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre os cuidados a prestar durante o trabalho de parto - que permite aos enfermeiros especialistas realizar um parto de baixo risco e internar uma grávida - suscitaram uma reação imediata da Ordem dos Médicos. Ao ponto de, em comunicado, no sábado, e após reunião de urgência entre Conselho Nacional e os colégios das especialidades envolvidos, Ginecologia-Obstetrícia, Pediatria e Anestesia, vir anunciar que iria requerer "a revogação imediata" da Orientação lançada, por não refletir "as propostas que apresentou" e por "a versão final não lhe ter sido enviada". "A Ordem dos Médicos vai requerer a revogação imediata desta orientação da DGS, em prol de um processo que seja discutido, inclusivo e transparente, e que garanta a melhor qualidade dos cuidados de saúde às mães e às crianças", lê-se no comunicado.
Ao DN, a presidente da Mesa do Colégio da Especialidade dos Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, Irene Cerejeira, que participou no trabalho que a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos, nomeada pela Direção Executiva do SNS, desenvolveu sobre esta matéria, diz "não perceber a atitude, a não ser por uma questão corporativista", porque o documento divulgado "foi construído de forma pacífica entre enfermeiros especialistas e médicos".
"A Ordem dos Médicos esteve representada neste grupo de trabalho. Basta ir ao documento e ver os nomes dos médicos que participaram e esta orientação resulta do trabalho de todos, que foi discutido e aceite por todos, tendo sido cumpridos todos os procedimentos para a elaboração do documento", acrescentou. Irene Cerejeira assume que estamos perante um documento que é "uma orientação, se fosse uma norma teria um poder vinculativo, mas não vejo como é que pode ser revogada, porque a proposta foi aceite e emanada pela DGS, que é a nossa tutela e autoridade nacional de Saúde".
DestaquedestaqueMinistro diz que "não convém que as decisões políticas sejam tomadas à margem da decisão técnica. Eu tenho o meu papel nesta matéria, entendo eu, que é facilitar o diálogo entre os que têm responsabilidades.
A dirigente da Ordem dos Enfermeiros argumenta até que "quando a DGS produz orientações de boas práticas estas são muito discutidas de forma técnica", portanto entre "enfermeiros especialistas e médicos obstetras não há nenhum problema com esta orientação, e não vejo como pode ser revogada". O DN pediu à DGS que esclarecesse se uma orientação emanada por si pode ser revogada ou não respeitada pelos serviços, mas não obteve resposta.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, manifestou-se ontem pela primeira vez sobre a questão que agitou o fim de semana dizendo: "Não convém que as decisões políticas sejam tomadas à margem da decisão técnica. Eu tenho o meu papel nesta matéria, entendo eu, que é facilitar o diálogo entre os que têm responsabilidades, neste caso, facilitar o diálogo entre a DGS e a Ordem dos Médicos e, confio, que desse diálogo sairá uma orientação técnica clara."
No documento em causa, a DGS refere que "a avaliação da implementação da presente orientação deve ser contínua e executada através das Direções Clínicas Hospitalares e das Direções dos Serviços de Obstetrícia e Ginecologia", esclarecendo que "a matéria foi proposta da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos, com o intuito de uniformizar os cuidados de saúde hospitalares durante o trabalho de parto (TP); clarificar o papel dos vários profissionais de saúde intervenientes no TP; identificar tarefas, autonomias e responsabilidades, promovendo a partilha de um modelo de cuidados comum que favoreça o verdadeiro trabalho de equipa, a segurança e a qualidade dos cuidados prestados durante o TP".
E é exatamente isto que é argumentado pela presidente do Colégio da Especialidade da Ordem dos Enfermeiros. "Esta orientação faz todo o sentido, porque vem uniformizar os cuidados de saúde a nível hospitalar durante o trabalho de parto, clarificar o papel dos profissionais envolvidos e identificar as tarefas e as responsabilidades de cada um." Por outro lado, "promove a qualidade dos cuidados, pois a nossa função é estarmos todos concentrados no que a mulher pretende nesse momento. Este é o nosso objetivo e foco principal: a segurança materno-fetal e a oferta de uma experiência positiva no parto à grávida e à família".
Muitos já referiram que a orientação sobre partos "só vem formalizar o que já faz e o que já é prática nos serviços", diz Irene Cerejeira. "E faz-se porque essa é uma das nossas funções, definidas em legislação nacional e internacional, e para a qual somos preparados academicamente e nas competências da especialidade".
Destaquedestaque"a única diferença que esta orientação traz ao que já é feito na prática é a questão do internamento".
A enfermeira reforça até que esta orientação "faz parte das prioridades da OMS para as políticas de saúde, para que seja adaptada às funções e responsabilidades de cada profissional nas respetivas equipas multidisciplinares. É isto que os enfermeiros especialistas podem oferecer com segurança às grávidas".
A enfermeira insiste no facto de que "a única diferença que esta orientação traz ao que já é feito na prática é a questão do internamento". Ou seja, "numa gravidez de baixo risco, em que a mulher não teve qualquer patologia e entra de forma espontânea em trabalho de parto, e quer um parto fisiológico, esta pode ser internada pelo médico obstetra ou pelo enfermeiro especialista", o que até agora não era possível, pois só o médico tinha essa competência. De resto, "está tudo igual, a constituição das equipas, as competências e responsabilidades".
A dirigente da Ordem assume que "só se pode dizer que um parto correu bem depois de este ter terminado, mas enfermeiros e médicos funcionam em equipa nos serviços, os médicos não vão deixar de estar lá, e o enfermeiro especialista tem competência para detetar uma alteração na evolução do trabalho de parto chamar o médico e este assumir a ação. Isto é o que já acontece".
A Ordem dos Médicos não concorda com o teor da orientação e com o processo. Os médicos que a representavam na Comissão pediram a demissão e foi avançado o pedido de revogação. Resta saber o que se segue.