Energia limpa: a década decisiva
Mais do que uma mera transição, preparemo-nos para uma autêntica revolução energética. Nos últimos 15 anos já ocorreram mudanças de grande significado: a integração das políticas de clima e energia, a queda acentuada dos custos das tecnologias limpas, a inovação na microgeração descentralizada e nas baterias, a crescente eletrificação da mobilidade e dos consumos industriais, o fim do mito da intermitência das renováveis e a afirmação do setor da energia limpa como um cluster industrial e não como um mero fator de produção.
Estas mudanças foram, essencialmente, impulsionadas pelas políticas climáticas (acordos internacionais, metas nacionais, sistema de comércio de emissões e fiscalidade verde) e alteraram profundamente a natureza dos debates sobre competitividade. Por exemplo, hoje, em Portugal, já ninguém se atreve a defender a construção de centrais nucleares ou de novas refinarias ou a questionar o encerramento das centrais a carvão. Como também, a nível internacional, caiu por terra a ideia de que a utilização das tecnologias limpas só era viável nos países ricos e que os países em desenvolvimento estavam condenados a utilizar carvão e gás natural nos esforços de acesso a eletricidade.
Apesar de relevante, a mudança ocorrida ainda não é suficiente atendendo aos três problemas estruturais que o Acordo de Paris ainda enfrenta. Primeiro, os compromissos de redução das emissões - assumidos pelos países signatários do Acordo de Paris - colocam-nos numa trajetória de aumento da temperatura em 3,2º C (bem acima do objetivo de 1,5º C). Segundo, os anúncios de neutralidade carbónica para 2050, por parte de mais de uma centena de governos, não são compatíveis com a ausência de políticas nacionais ambiciosas de redução das emissões nos próximos dez anos. Terceiro, os países em desenvolvimento serão responsáveis por mais de 90% do aumento das emissões anuais, mas são destino de apenas 20% do investimento global em energia limpa.
É por isso que considero da maior relevância o recente relatório da Agência Internacional de Energia que conclui que a neutralidade carbónica só será atingida, até 2050, se formos capazes de: travar, de imediato, a construção de novas centrais a carvão e de nova produção de combustíveis fósseis; até 2030, quadruplicar a capacidade de produção de energias renováveis (em especial, solar), aumentar em 4% por ano a eficiência energética no consumo e aumentar 18 vezes a venda de veículos elétricos; a partir de 2035, impedir a venda de veículos que não sejam elétricos; e, até 2050, os combustíveis fósseis não poderão representar mais de 20% do consumo final de energia e as energias renováveis terão de ser responsáveis por 90% da produção de eletricidade a nível mundial.
Este caminho é incontornável, mas exigente; é possível alcançar as reduções das emissões, previstas até 2030, através de tecnologias existentes, mas a redução remanescente, para atingir a neutralidade em 2050, depende principalmente de tecnologias que ainda estão na fase de desenvolvimento e demonstração. Sendo que estas mudanças estruturais no setor da energia requerem investimentos significativos - mais de 5 biliões de dólares por ano (o dobro dos níveis atuais) - e são geradoras de enormes benefícios sociais e económicos (acrescentando 4% ao PIB, até 2030, e quadruplicando os empregos no setor das renováveis).
Neste contexto, Portugal não pode hesitar. Temos de assegurar uma descarbonização mais exigente do que a prevista no roteiro de neutralidade carbónica; temos de reforçar a cooperação com os países em desenvolvimento; e temos de nos tornar, como venho lutando desde 2013, um grande exportador de eletricidade renovável para a UE, tirando partido do histórico acordo europeu que alcançámos, em 2014, sobre o reforço das interligações elétricas entre a Península Ibérica e França. Todos beneficiam: Portugal atrai investimento e cria emprego; e os nossos parceiros europeus, que não dispõem do nosso potencial renovável, veem reduzindo o custo de cumprimento das suas metas. Esta é a década decisiva.
Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE