Encenação de vitória e economia de palavras
"Welcome to the next President of Portugal!" O anfitrião apresenta o convidado e a pose já é de Estado. Ninguém ri da tirada. Ouvem-se aplausos, esboçam-se sorrisos de boas-vindas. Sinal da falta de surpresa que ali se anuncia para 22 de Janeiro. O convidado é candidato a Presidente e vai tão distante nas sondagens que, para os apoiantes, é como se faltasse apenas oficializar essa futura condição. É a figura central de um almoço/debate mas que teve pouco de discussão. O que começou à hora certa não deve acabar com atraso. Poderia ser uma máxima aplicada à pré- -campanha de Cavaco Silva. Rigor na agenda, contenção de palavras, economia de exposição e nada de improvisos. É a táctica de quem não precisa de arriscar e se apresenta como a "imagem de honestidade, do rigor, da intransigência e da competência". Almoça, discursa e informam que, "amavelmente", aceitou que lhe colocassem questões, mas, uma pergunta depois, avisam que terá de se retirar. "Compromissos de agenda."
Assim é. Ao fim da tarde, tem um passeio nas ruas de Caldas da Rainha e um jantar com três mil apoiantes em Alcobaça. A partida para o Oeste será daí a três horas, mas não estão previstas correrias na comitiva do "professor".
É o dia seguinte ao debate com Soares. O assunto das conversas de bastidores é a alegada nota de "deselegância" do ex-presidente e quem pensou que o tema não subia ao palanque enganou-se. Cavaco Silva surge com um discurso mais descontraído, embora ensaiado, e lança farpas ao adversário com o tom de quem dá uma lição de economia. "Deus nos livre de um Presidente da República que não tem nada que fazer" ou, respondendo à tal pergunta sobre a táctica de Soares no debate, "temos de ter uma certa paciência, prefiro suportar alguns custos, mas às vezes há quem ultrapasse as marcas". A frase foi dita sem consultar notas. Quem o apoia gosta. Quanto aos outros "Que se irritem", comenta um elemento da comitiva.
Foi o fim do primeiro capítulo de um dia de pré-campanha. O segundo arranca num prédio comum, numa rua calma de Lisboa. Não há nada de estranho a não ser a súbita concentração de carros topo de gama à porta do n.º 13. São cinco da tarde e Cavaco Silva reúne-se em casa com Alexandre Relvas, o director de campanha, antes de seguir para as Caldas. "Rotina", esclarece um elemento do staff. De manhã, recuperou do desgaste do dia anterior e analisou os jornais com Fernando Lima, o assessor de imprensa. Acabou a tensão dos debates e a agenda dos próximos três dias intensifica-se. "Havia um nervosismo natural. O professor estava afastado da política há dez anos, ao contrário dos adversários, que têm actividade pública constante", justifica um dos seus 'conselheiros'. Por isso se preparou como se prepara sempre ao milímetro.
Foi antes. Cavaco agora parece menos silencioso, o que não significa que esbanje palavras. Sai de casa 30 minutos antes da hora marcada para a próxima acção de campanha, a cem quilómetros da Travessa do Possolo. Mudou de roupa e a mulher, Maria, acompanha-o. "Quem é?", perguntará uma idosa, quando o casal visitar a Santa Casa da Misericórdia de Caldas da Rainha. Tem a voz trémula "dos nervos" que foi ler ao candidato a nota de boas-vindas, um outro modo de embrulhar palavras sempre presentes nos discursos do homenageado, "homem sério e trabalhador, um bom chefe de família" ideal para estar "ao comando de uma grande nau". Deixa o desejo "Que dia 22 de Janeiro possa dizer, 'Portugueses, sou o vosso presidente'." E conclui: "Que Deus lhe dê forças para guiar esta nau na tormenta." Maria toca-a, diz-lhe que foi o melhor discurso que ouviu, mas ela não sabe quem é Maria. "É a minha mulher", apresenta o professor, "há muitos anos".
A visita é breve. Isabel Damasceno, a presidente da Câmara de Leiria, e Kátia Guerreiro, a mandatária para a juventude, seguem-no até à Praça da República, no centro da cidade. Têm uma rua para percorrer a pé antes de seguir para o jantar. Polícia e seguranças aguardam para pôr ordem na confusão de pessoas que querem tocar o candidato. "Cavaco à primeira", gritam. Cavaco sorri, acena, faz o 'V' de vitória, beija, levanta a cabeça para saudar quem o olha de cima. Sem nunca largar Maria. E a marcha avança entre apertos e encontrões. "Pronto, já tenho o que quero, podemos ir", diz uma mulher, mostrando ao marido o volume, agora assinado, da Autobiografia Política. Outra, só quer "um beijo" e está disposta a furar a barreira de câmaras e segurança para chegar ao objectivo. A comitiva segue à frente. Guia, atenta a qualquer pormenor . Um assessor tenta desfazer a ideia de que o 'professor' não gosta de campanha de rua. "Ele sente-se muito bem entre as pessoas." Sublinha "a sua popularidade com as mulheres" e lembra que no Brasil o trataram "como um galã de cinema". O "ar inacessível" afinal, não passa de "timidez".
Sobra tempo para chegar a Alcobaça. Da agenda do candidato não consta a paragem na Quinta do Pinheiro, a meio do percurso. É um tempo privado num calendário que não se deixa dominar pelo apelo público. Recupera força, descansa da perseguição dos microfones e deixa que a equipa se encarregue de preparar o terreno para um jantar à prova de contratempos. Falta uma hora e há muita gente à porta do pavilhão. Há quem comente que é a "primeira noite de Inverno a sério", tal é o frio; comenta-se ainda que "aquilo nas Caldas foi muito bom!" A porta abriu, mas a entrada é lenta. Só uma senha de 7,50 euros dá direito a jantar com Cavaco Silva.
"Tá cheio, Paulo?", pergunta alguém da organização. O Paulo confirma e quando o professor chega não há ninguém fora do lugar. Bandeiras verdes e vermelhas com o sloganPortugal Maior agitam-se, já com Kátia Guerreiro no palco a cantar o hino oficial "Fazer Portugal Maior/ é romper a bruma/ abrir o dia/rasgar o medo." Vêm os discursos, repetem-se elogios e adapta-se a mensagem do almoço, feita para empresários, aos apoiantes do jantar, gente "de todas as condições sociais". Dois ecrãs gigantes exibem imagens de Cavaco aos que, mesmo ali, não o conseguem ver. A máquina de campanha revela quanto vale e o que quer que valha um presidente.