Encarar a Igreja como "hospital de campanha"

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Há um ano, apareceu à janela da Basílica de São Pedro um Papa sem púrpuras, sem arminhos, sem sapatos Prada. Antes de abençoar a multidão, inclinou-se perante ela, pedindo a todos que rezassem por ele. Escolheu o nome "Francisco", num momento em que a Igreja Católica passava pela vergonha dos escândalos da pedofilia e do Banco do Vaticano. Não optou por viver num palácio, mas sim numa casa onde contacta com gente todos os dias. Não anda de Mercedes, mas num carro mais modesto. Nas audiências gerais, acena a todos, beija as crianças. Abraça muito: jovens, velhos e mulheres - sem medo. E já beijou os pés a uma rapariga (ainda para mais, muçulmana) - precisamente no dia simbólico da instituição do sacerdócio. Designa-se na maior parte das vezes a si mesmo como "Bispo de Roma" e não como Papa (menos ainda como Pontífice). Renovou o seu cartão de identidade como cidadão argentino e não como "Chefe de Estado". Quando um jornalista lhe perguntou porquê, disse, simplesmente, que o cartão anterior tinha caducado. Mas estes gestos (e muitos outros) não são tudo. Por isso, sectores conservadores, com manifesta dificuldade em "engolir" o que ele diz, procuram reduzir este Papa "ao mesmo que os anteriores, mas dito numa nova linguagem". O que traz, então, ele de novo, do ponto de vista do pensamento? Antes de mais, o recentramento na ideia de que a misericórdia tem primazia sobre a ortodoxia e a noção de que o cristianismo se funda num Excluído que não excluiu ninguém. Diz que o papel dos cristãos é estarem nas periferias do mundo, junto das vítimas de uma economia que mata, a seu ver. E o papel da Igreja não é ser uma "alfândega" (como ele escreveu no seu documento programático), mas sim uma espécie de "hospital de campanha" para os que sofrem. Nada disto é facultativo, segundo afirma clara e repetidamente.

* Docente na Universidade Fernando Pessoa / Investigadora do CES (Coimbra)

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