Empresas ficam sem chão: sem apoios, com custos a subir e receitas ainda a recuperar

A preocupação é sobretudo dos setores mais afetados pela crise pandémica, para os quais não há medidas especiais previstas: restauração e bares, turismo, cultura. Almofada foi-se, consumo ainda não recuperou e as medidas extraordinárias acabam no final do ano. Quando as empresas já estão a pagar as prestações congeladas durante a covid.
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Das três linhas do Orçamento do Estado para 2021 dedicadas às empresas, evoluiu-se para três medidas no atual documento, apresentado na segunda-feira, na Assembleia, às últimas horas da noite, como é habitual.

"Tímido", "poucochinho" e "manifestamente insuficiente" para sequer dar um pequenino empurrão ao tecido empresarial que ainda sofre brutalmente as dores da pandemia, sobretudo no que respeita aos setores mais afetados pela crise pandémica. É assim que os representantes do tecido empresarial, de grandes, pequenas ou microempresas de todos os setores, refletem a sua desilusão com um OE que lava as mãos do que ainda seria preciso fazer para dar gás à recuperação da economia. E não foi por falta de sugestões de todas as associações e confederações, que levaram ao governo as suas preocupações, ansiedades e sugestões. O "Orçamento bom para Portugal e bom para os portugueses" de que falavam António Costa e o seu ministro das Finanças, afinal é bom desde que não se tenha uma empresa a tentar vir à tona depois da covid.

Com confiança em que os estímulos dados às famílias de classe média-baixa, nomeadamente através do IRS, salvarão a economia, as medidas de Leão são parcas e sobretudo anémicas em consequências.

O há muito reclamado fim do Pagamento Especial por Conta (PEC) é bem vindo, mas não produz efeitos, visto que o seu cumprimento estava suspenso temporariamente devido à pandemia e às restrições a que esta obrigou. O benefício fiscal a quem reinvista lucros é bem-vindo, mas terá certamente efeito muito limitado entre as PME, que maioritariamente constituem o nosso tecido empresarial. Salva-se o reforço do fundo de apoio à capitalização das empresas, em 1,3 mil milhões através do Banco Português de Fomento, mas uma vez mais a fatia de empresas que a ele poderão aceder será restrita. E muito poucas serão as dos setores mais penalizados pela crise a conseguir chegar-lhes.

De resto, nem impostos reduzidos, conforme fora pedido e repetido quer com foco no IVA para ajudar os restaurantes, bares, cafés e afins nem IRC escalonado por resultados, nem sequer ajudas para fazer face à subida a pique do preço da energia. E nem tão pouco medidas de estímulo direto ao consumo, como o IVAucher ou os pacotes apresentados em Espanha para estimular a Cultura (dinheiro diretamente depositado no bolso dos jovens para gastar em atividades culturais) ou no Reino Unido para levar os consumidores aos restaurantes (descontos diretos e imediatos).

João Leão sublinhou mesmo, na apresentação do Orçamento do Estado, ontem nas Finanças, que os apoios enquadrados na pandemia terminam no final do ano. E só regressam "se houver novo surto ou variante que obrigue a confinamentos radicais, o que não é esperado - nem desejado - por ninguém".

Numa altura em que a maioria das empresas está ainda muito aquém das receitas de 2019 - Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, não acredita numa verdadeira recuperação antes de 2023 ou 2024 -, depois de quebras drásticas de faturação e com muitas despesas congeladas e adiadas durante ano e meio de pandemia, regressar à atividade sem rede pode ser mais do que uma simples dor de cabeça.

Em entrevista ao Dinheiro Vivo, João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços, lembrara já que durante os primeiros meses as empresas forma consumindo as reservas de tesouraria que tinham acumulado nos melhores anos do turismo e agora precisariam de um empurrão para garantir a retoma. "Não se pode desligar a ficha dos apoios de repente, demasiado cedo", alertava, sob pena de muitas delas caírem ainda antes de se levantarem.

E é exatamente esse o risco que correm as empresas, depois de desfeitas as esperanças de que o Orçamento do Estado para 2022 pudesse trazer medidas de estímulo à recuperação da atividade, sobretudo nos setores mais afetados pela crise pandémica.

Com as moratórias extintas, o prazo final dos apoios marcado a tinta permanente para dezembro de 2021, as prestações (rendas, serviços, etc.) a voltarem a ter de ser pagas na íntegra e acrescidas de uma fatia do que ficou adiado dos últimos 18 meses, a tesouraria seca e nos mínimos e a faturação reduzida a uma parcela do que era antes de a pandemia chegar, prevê-se tempos muito difíceis para o tecido empresarial português.

A este cenário extremo juntam-se a subida a pique nos custos da energia, os combustíveis em máximos (com efeitos diretos e indiretos, a encarecer os preços das matérias-primas) e medidas como a taxa de 30 cêntimos nas caixas de utilização única que vai cair sobre todos os que se dedicaram ao take away já a partir do próximo ano.

Serão os rendimentos libertados pela revisão dos escalões de IRS para as famílias de classe média suficientes para responder às necessidades de consumo e salvar a retoma? Dificilmente. E dos fundos europeus previstos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência - quase exclusivamente focado em projetos públicos, a justificar o grosso do aumento de 30% no investimento do Estado no próximo ano - também não virá grande maná.

Sem novidades que cheguem da negociação do Orçamento - que será agora discutido até à votação, marcada para dia 27, na generalidade -, prevê-se que o setor privado tenha pela frente o maior desafio desde que a pandemia chegou.

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