Empresas, Colaboradores e Saúde Psicológica
"Sinto-me pesado e com medo. Não consigo dizer isto a ninguém. Nem sequer à minha mulher. Tenho vergonha de como ela me possa ver. Mas.... Aquilo que antes eram as minhas rotinas e tarefas no trabalho, são agora montanhas impossíveis de serem transpostas. Sinto que não tenho as competências para conseguir lidar. Nada me faz sentido. Eu sei que é uma coisa estúpida de se dizer, mas já não me interesso por nada, nem pelas coisas de que gostava de fazer na minha vida pessoal."
O depoimento do Luís expressa o que pode ser a experiência de muitos portugueses. Um, em cada cinco, portugueses sofre de perturbações psicológicas. Portugal é o segundo país europeu com maior índice de perturbações psicológicas na Europa. As perdas em 2022, associadas ao presentismo e ao absentismo, foram da ordem dos 5,3 mil milhões de euros para as instituições portuguesas. As perturbações psicológicas estão entre as cinco principais causas que provocam incapacidade de uma vida pessoal e de trabalho saudável. O cenário mundial é de incerteza, de guerra na Europa e, de enorme aumento do custo de vida. Está amplamente estudado que, em épocas com este contexto, intensifica-se o sofrimento e desadaptação psicológica e comportamental. É disso exemplo o aumento das taxas de suicídio. Estima-se que em 2023, os custos com a saúde psicológica, vão aumentar na Europa cerca de 9%.
As empresas estão mais sensibilizadas para a questão dos riscos psicossociais, mas estão também receosas. Como lidar com estes fenómenos? Não sabem ao certo. O que se está a assistir, em alguns casos, é a procura de uma resposta rápida, que ponha a descanso a consciência das empresas, o que não se traduz necessariamente num apoio adequado aos colaboradores. Uma das razões que está a contribuir para este contexto, é a proliferação exacerbada de outras empresas, que procuram apresentar programas e pacotes de saúde ocupacional. Muitas, assentes em equipas de psicólogos juniores, que estão a atender dezenas de pessoas numa semana. Os psicólogos entram em burnout pois não têm ainda, alguns deles em desenvolvimento profissional, os recursos profissionais para lidar com tão elevado número de pacientes.
Pacotes, soluções integradas, programas low-cost. Repentinamente, foi criada uma nova prateleira no "supermercado de empresas" que querem apoiar empresas. A vontade das instituições de se envolverem neste problema social é essencial. Mas é fundamental que estas sejam bem aconselhadas, por forma a não se perder o fim último das iniciativas: colaboradores com melhor saúde psicológica, uma sociedade mais equilibrada e empresas com maior produtividade. Para isso, alguns pontos poderão ser considerados. Nomeadamente, a introdução de uma cultura de monitorização de resultados clínicos das intervenções psicológicas, inexistente em Portugal. Mas é fundamental e tem várias vantagens. Envolve mais os pacientes, permite ajustar a intervenção psicológica aos mesmos e é possível confirmar os resultados das intervenções.
É sabido que por cada 1€ investido em saúde psicológica há um retorno de 5€. No entanto, existe ainda um enorme desconhecimento, e mesmo desconfiança, quanto à real eficácia das intervenções psicológicas por parte da sociedade e dos decisores. A evidência científica demonstra que as intervenções psicológicas são eficazes. A pessoa em tratamento psicológico tem, em média, melhorias mais significativas do que 80% da amostra não tratada. A psicoterapia é, em muitos casos, igualmente eficaz comparativamente a intervenções medicamentosas, sendo os ganhos terapêuticos da primeira, geralmente, mais duradouros. É fundamental que haja uma flexibilidade nos programas de apoio psicológico. Para a grande maioria das pessoas, uma intervenção psicológica breve -- 8 a 12 sessões de psicoterapia -- poderá ser suficiente. Para alguns pacientes, esses programas breves, são contraproducentes para o próprio.
É fundamental continuar a apostar na sensibilização e literacia sobre saúde psicológica. Para começar, temos de clarificar que o sofrimento psicológico e a perturbação psicológica, não são sinónimos de doença mental. Por essa razão, é necessário muito mais um paradigma psicológico para a compreensão dos problemas associados à saúde ocupacional, do que um modelo médico.
Diretor Clínica ISPA
Fontes: Ordem dos Psicólogos Portugueses (2023). Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações - Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica, em Portugal. Lisboa