As adaptações cinematográficas são quase sempre obras frágeis em termos de análise. Ou porque se colam muito à letra do romance e não arriscam, ou porque se afastam em demasia e perdem o referente. Enfim, a discussão não será tão linear como se apresenta, mas não interessa desenvolvê-la aqui. Importa, isso sim, começar pelo elogio à justeza deste A Balada de Adam Henry, enquanto objeto proveniente de uma voz literária. Com efeito, o realizador Richard Eyre incumbiu o próprio Ian McEwan, escritor do livro homónimo que está na base do filme (editado em Portugal com a chancela da Gradiva), para escrever o argumento adaptado do seu texto. E o resultado é qualquer coisa de fascinante, não só no sentido de detalhe das personagens, mas sobretudo do ponto de vista da complexidade humana que se encena entre o domínio público e o espaço da intimidade. Estava tudo no papel, e a lente de Eyre soube captá-lo com delicadeza..O ponto nevrálgico de A Balada de Adam Henry está então na dificuldade de se "ser" alguém alicerçado em convicções, num determinado modo de vida e com uma visão particular, não viciada pela norma social. Precisamente, a protagonista, uma juíza interpretada pela admirável Emma Thompson, sente-se ela mesma perturbada com interrogações que a ultrapassam para lá dos pressupostos da Lei..E a ação dramática é desencadeada de uma só vez: o marido pede-lhe licença para ter uma amante, porque está cansado da abstinência que tomou conta do casamento de ambos, e do tribunal surge uma chamada urgente sobre o caso de um adolescente com leucemia, que, sendo testemunha de Jeová, se recusa a fazer a transfusão de sangue que lhe pode salvar a vida. Entre as dores do recente panorama doméstico - causadas pelo evidente excesso de trabalho - e a situação do jovem (o Adam Henry do título), o mundo desta juíza vai desabar. Mas não com grande estrondo. É justamente a ideia de uma "balada" que melhor define o modo como, aqui, a passagem dos dias acumula uma melodia interior..Não por acaso, numa das brilhantes cenas do filme, em que Thompson se dirige ao hospital para falar diretamente com Adam (atitude que é vista com muito espanto por parte do tribunal), a conversa termina com uma canção cantada por ela - algo que se repete noutra circunstância do filme, e que tem mais do que um peso simbólico. Nesse momento da visita, Adam, muito entusiasmado (e até romântico) com a presença da juíza, pergunta-lhe como a deve tratar..Ela dá-lhe duas opções: "O meu nome é Fiona Maye, mas no tribunal chamam-me My Lady." É, de facto, assim que a vemos ser tratada pelo seu assistente, em todas as ocasiões. E Adam prefere o my lady, porque vislumbra nesta forma de tratamento qualquer coisa de poético. Escusado será dizer que nós também..Como há muito não tínhamos oportunidade de ver, Emma Thompson encarna tão perfeitamente a resistência e fragilidade simultâneas desta mulher, diante de um jovem que não será um caso encerrado, e de um marido que não desiste de a ter de volta, que dizer que nos comove é pouco. Há uma elegância narrativa que parte da sua postura e, no sentido inverso, uma subtileza literária de que ela se apropria como ninguém, conferindo a este A Balada de Adam Henry a sua magnífica textura dramática. A Emma Thompson não se lhe chame outra coisa senão my lady.. **** (Muito Bom)