Princesa. Em 1958, o ano em que Delgado agitou um país menos salazarista do que sustentava a propaganda do regime, Maria Teresa de Bourbon de Parma era recebida pelo ditador de "extraordinária personalidade".No Portugal de 1958, o ano em que a candidatura presidencial de Humberto Delgado mostrou ao mundo que o salazarismo não era unânime no País, como tentavam demonstrar os seus propagandistas, o Diário de Notícias, tão próximo do regime que quase não necessitava de ir à censura, publicava, na edição de 11 de Dezembro, uma notícia sobre a estada em Lisboa da princesa Maria Teresa de Bourbon de Parma. ."Aparentada com a mais alta aristocracia da Europa" - era filha do príncipe Xavier, descendente de Luís XIV de França, e da princesa Maria Madalena, descendente de Luís XI -, a jovem princesa estava "igualmente e especialmente ligada à Casa de Bragança, por sua avó, a duquesa viúva de Parma, senhora Dona Maria Antónia, infanta, por nascimento, de Portugal". .A fidalguia lusitana - como se tinha espantado Marcelo Caetano no ano anterior, quando muitos titulares se zangaram com ele por não terem sido considerados no protocolo da visita de Isabel II a Portugal - parecia não recordar que o regime era republicano há quase meio século. E esquecida já a pomposa cerimónia com que fora recebida a monarca britânica, registava-se que estava agora em Lisboa "de passagem - por umas semanas - a princesa Maria Teresa de Bourbon de Parma".."Hospedou-se em casa de velhos amigos seus, os condes de Farrobo, uma linda vivenda, cheia de trepadeiras e de flores, nos altos de Algés, fronteira à barra do Tejo e aos longes do mar", escrevia o jornalista no seu peculiar fraseado. Afinal, também no jornalismo cada tempo tem o seu estilo. ."No desejo de registar a sua estada em Portugal, de acompanhar com uma fotografia a notícia que a seu respeito publicássemos e de conversar com ela um pouco, se isso fosse possível, estivemos ontem de manhã nessa tão acolhedora casa." E, no entanto, não se reproduzia uma única palavra da princesa.."Uma das primeiras coisas que nos disse foi, justamente, ser o seu desejo de conhecer melhor o nosso país - razão da sua visita de agora - de há muito alentada pela avó, portuguesíssima em sentimentos e virtudes [como se definiriam?], que, tanto a ela como a todos os demais netos e outros descendentes e parentes, constantemente fala de Portugal e recomenda que o venham ver e conhecer e estimar, como ele merece." Afinal, comparadas com as paisagens portugueses, o que valiam Paris ou Viena, o Piemonte ou a Flandres, o resto do mapa europeu?."A princesa Maria Teresa tinha vindo já a Portugal. Mas com muito curta demora. Três dias apenas, para assistir, em Cascais, ao lindo casamento de sua prima, a princesa Maria Pia de Sabóia. E, nesses três dias, tirante essa vila e a cidade de Lisboa, vistas à pressa, [só] Batalha e Alcobaça, também olhadas por alto, numa viagem de automóvel."."Desta vez com mais detença, Lisboa e seus arrabaldes têm sido por ela deliciosamente saboreados e apreciados. Anda embevecida com tudo o que tem visto e muito agradada de todas as pessoas que tem conhecido." Um país bem pitoresco e um povo de brandos costumes..Só faltava mesmo o remate do texto para garantir aos leitores que tudo estava pacato no nada podre antigo reino de Portugal. "A princesa foi recebida pelo professor Salazar e guarda deste encontro a mais profunda impressão e admiração pela sua extraordinária personalidade." Que interessava esse tal Humberto Delgado, então a viver na Embaixada do Brasil, país a que pedira exílio político? Para o DN da época não valia nada. |