Em tempo de tempestade irá Marcelo a banhos em São Tomé?

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Seis da manhã, hora de Inverno. Dia nublado. Despertara cedo, com vontade de escrever ou ligar antes para falar com familiares em São Tomé. É que, a partir do dia 1 deste mês, as ilhas têm uma hora a mais, estando agora no mesmo fuso horário de Angola e da Guiné Equatorial. Escrever sobre a ilegalidade do decreto governamental do primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, que determinou a mudança de horas no arquipélago? Não. Seria ingerência nos assuntos de um Estado soberano questionar este desvio em relação ao tempo universal!!!

Então, iniciara algumas linhas sobre o oportuno veto do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) à inoportuna lei de financiamento dos partidos em Portugal. Mas não me pareceu pertinente por ser já um tema esbatido. Preferi mudar de ideia. E porque não debruçar-me sobre o marasmo para a formação de Governo na Alemanha, depois das eleições de setembro de 2017 que deram vitória pouco robusta à CDU, de Angela Merkel? Entretanto, recuei por haver já uma luz ao fundo do túnel.

Em definitivo, por força de proximidade umbilical, preferi pensar nas verdadeiras razões que levaram MRS a adiar a sua primeira visita oficial a São Tomé e Príncipe, inicialmente programada para os dias 28 de janeiro a 2 de fevereiro do ano corrente. Alegadamente, por o Presidente se encontrar em convalescência depois da intervenção cirúrgica, não suportando por isso as cerca de seis horas de voo.

A deslocação do inquilino de Belém, após o recomendado período de repouso, acontece no dia 19 de fevereiro, devendo a visita ter início no dia seguinte se não surgirem novos condicionalismos na agenda presidencial. No entanto, há quem tenha argumentado que o adiamento da viagem do Presidente português, por uma questão de cautela, prende-se com o (recente) ambiente de crispação política em São Tomé, em resultado das divergências partidárias na interpretação da lei sobre a controversa criação de um Tribunal Constitucional autónomo.

Entendo que a previsível presença na antiga colónia africana do chefe de Estado português, conceituado constitucionalista e professor de Direito, poderia ser útil à claque dirigente de são-tomenses desavindos em consequência da decisão do Presidente Evaristo de Carvalho de promulgar uma lei relativa à criação do referido tribunal. A oposição veio a público dizer, em ambiente de tensão política, que há uma clara violação da Lei Constitucional na República, a ponto de um grupo de dirigentes partidários ter faltado à cerimónia de cumprimentos de Ano Novo ao chefe de Estado.

Perplexo e, não sendo jurista, recorri a um conceituado especialista a quem questionei se, apaziguados os ânimos, poderá MRS ir a São Tomé dar lições ou elucidar o seu homólogo a propósito da postura de um Presidente em situações desta natureza, sem que isso seja entendido como ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano?

"A questão colocada em São Tomé, além do eventual desrespeito pela Constituição, é a da efetiva posição de um Presidente da República num sistema semi-presidencial. A tradição lusa - diferente da tradição francesa - atribui ao Presidente da República o papel de poder moderador, que já vem desde a Carta Constitucional de 1826, que consignava tal função ao Rei, então Chefe de Estado". O especialista lembra que "o Presidente da República é acima de tudo um "desbloqueador" de conflitos, uma magistratura de influência, como dizia o antigo Presidente Mário Soares". E "não é uma força executiva própria, nem dirige o país como líder ativo. Pelo contrário, funciona como árbitro e não jogador em campo".

E diz, a concluir. "É esta a experiência constitucional portuguesa que MRS poderá transmitir ao Presidente de São Tomé, cabendo a este adotar ou não a tradição constitucional portuguesa e sentir-se confortável ou não com a mesma".

Os atores políticos, entre os quais Evaristo de Carvalho, têm aqui uma oportunidade ímpar para tirar ilações e lições do que é o exercício do poder em democracia sem que, pelo poder, atropelem os superiores interesses dos eleitores.

Dito isto, terão os são-tomenses razões descomplexadas para um dia se sentirem felizes com os ensinamentos a retirar da experiência do estadista português? (Se) ultrapassada a tempestade nas ilhas, irá Marcelo fintar as regras do protocolo para ir a banhos aliviar-se nas águas tranquilas de São Tomé? Ou tentará nas horas de lazer a proeza desportiva do antigo primeiro-ministro, Cavaco Silva, que, no início dos anos 90, trepou um coqueiro à beira mar?

Correspondente em Lisboa da Rádio DW-África-Alemanha

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