Em 6 meses, SNS emitiu mais de 200 mil baixas por doença de curta duração
Na tentativa de aliviar a pressão nos cuidados primários de saúde, com o objetivo de libertar os médicos de família das tarefas burocráticas e ganharem mais tempo para outras funções clínicas, como consultas de doença aguda, evitando que os doentes recorram aos serviços de urgência, o Governo aprovou, em maio, uma medida que, até àquele momento, não tinha sido prática no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Ou seja, o utente passou a poder solicitar a sua própria "Autodeclaração de Doença" no site do SNS 24, tendo resposta imediata, desde que fosse por um período de três dias, já que, e de acordo com a lei, estes dias não são reembolsáveis.
Na altura, a medida foi justificada como um meio de "desburocratizar" o sistema e como "facilitadora" para o utente. "Um doente que está engripado e que precisa de uns dias para recuperar, sabendo o que deve fazer, não deve ter de ir ao centro de saúde e aguardar por uma consulta só para ter acesso a esse atestado de incapacidade", explicou na altura ao DN um médico de família.
A tutela apelou aos utentes para que fossem responsáveis e que só usassem este mecanismo quando fosse mesmo necessário, tendo cada um o direito de solicitar duas baixas de curta duração por ano, seis dias. E o que se sabe, segundo dados dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), desde o dia 1 de maio até agora o SNS já emitiu diretamente mais de 200 300 Autodeclarações de Doença, o que significa que, de facto, não só o utente teve a vida facilitada como os médicos de família ficaram mais aliviados nas tarefas.
Na quinta-feira, o Governo voltou a aprovar uma medida, que vem no seguimento da anterior e que já foi prática no SNS, mas que deixou de ser com o argumento de se travar "as baixas indevidas". Pois bem, os médicos das urgências e das unidades privadas e sociais vão poder passar baixas médicas.
Destaquedestaque"A medida tem as suas vantagens, mas, naturalmente, a sua aplicação tem de ser muito visada, para garantir que não há abusos".
A medida foi também anunciada com os objetivos de "facilitar a vida ao cidadão" e aliviar a pressão no sistema. Mais uma vez libertar os médicos dos cuidados primários das "consultas burocráticas", já que até aqui, um utente que necessitasse de baixa médica, mesmo tendo sido observado num serviço de urgência do SNS, tinha de passar pelos cuidados primários para a baixa ser passada por um médico de família.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, reforçou a mensagem de que a medida não só vem facilitar a vida do cidadão, como vem "desburocratizar o SNS" e "responsabilizar todos os envolvidos".
O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, concorda que "é uma medida importante para os médicos de família, mas de forma isolada nada resolve, porque é preciso uma reforma maior no SNS para se dar resposta à doença aguda".
E, do lado dos hospitais, o presidente da associação que representa os administradores defende que "a medida tem as suas vantagens, mas, naturalmente, a sua aplicação tem de ser muito visada, para garantir que não há abusos". A está agora "a seguir os trâmites, encontrando-se em processo legislativo", disse o gabinete do Ministério da Saúde, devendo entrar em vigor só no início do próximo ano.
Na opinião do presidente da APMGF, "há um princípio que justifica desde logo esta medida e que é de elementar justiça. Por definição, quem deve passar a baixa a um doente é o médico que o observa". Ora, não fazia sentido que "o médico de família fosse encarado como uma espécie de secretário de outro colega, porque não tinha observado o doente, mas tinha de ser ele a passar abaixa. Isto era um procedimento administrativo que consumia tempo e vagas nas consultas. E todas as consultas que não forem usadas para esta finalidade serão consultas que estarão livres para responder, por exemplo, a situações de doença aguda, moderada e ligeira evitando-se que o tente vá à urgência".
No entanto, considera: "Se a medida não for enquadrada num conjunto de outras ações nada resolve e soa um pouco a desespero, face à situação que o SNS vive neste momento." E quando fala em enquadramento, o médico alerta para o facto de uma medida como esta poder até "agravar as idas às urgências só para se conseguir o documento da baixa".
"É um risco, mas quando estamos a dizer que as baixas podem ser passadas na urgência temos de estar a dizer que só vai à urgência o doente que deve ir. Todos os outros não podem lá estar, senão está-se a sobrecarregar o colega da urgência com casos que não devem lá estar".
Para Nuno Jacinto, "neste momento, o problema de base é resolver a pressão nos cuidados primários e nas urgências, a questão das baixas é um problema secundário". Funcionará se se conseguir garantir que "só vai à urgência quem tem uma situação urgente, um episódio de doença aguda que não pode ser tratado nos cuidados primários".
No caso dos médicos das unidades privadas e do setor social justifica-se pelo "princípio, quem deve passar a baixa é o médico que observa o doente, se há o receio de haver mais baixas indevidas então que se fiscalize, mas não acredito que os colegas dos privados e do setor social passem e baixas diferentes do que as que passamos no SNS".
Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APANHA), que a medida vem servir "os doentes que vão ao serviço de urgência adequadamente, não os que lá vão erradamente". E, a partir daqui, é mais uma razão para que o doente que lá vai erradamente, por exemplo só para solicitar o documento da baixa, "não seja admitido pela triagem, mas se o doente vai lá decorrente de um episódio agudo e se o médico que o atende conclui que está incapacitado para o trabalho, então faz todo o sentido que o documento lhe seja entregue evitando ter de se deslocar depois propositadamente ao centro de saúde".
O administrador concorda ser "uma medida que se justifica, mas sem prejuízo de ter de ser avaliada e monitorizada como acontece com todas as medidas novas no SNS". Ou seja, é positiva do ponto de vista do sistema mas se considerarmos o SNS como um todo, porque vem retirar carga aos médicos dos cuidados primários gerando a oportunidade de ficarem com mais tempo para outros doentes e outras consultas".
Manuel Pizarro está "bem consciente" de que esta mudança poderá acarretar o "risco de emissão inapropriada de certificados", mas garantiu que "serão colocados em funcionamento os mecanismos adequados de fiscalização para prevenir esse problema", reforçando que o que se pretende com esta medida "é reduzir o tempo gasto pelos médicos de família a tratar destes atestados, porque é tempo que não estão a dedicar a atender outros doentes", sublinhou.