Em Portugal há votos para Hillary e medo de ver Trump na Casa Branca
Sentado numa esplanada da Avenida de Roma, Richard Zimler garante a rir-se: "No mínimo Hillary vai ter um voto." O dele. O escritor votou em Nova Iorque, durante uma recente viagem aos Estados Unidos, e está convencido de que a candidata democrata vai vencer as presidenciais hoje. Radicado em Portugal desde 1990, garante que não conhece "ninguém que vote Trump". Talvez por isso também o DN não tenha conseguido encontrar nenhum americano residente no nosso país que admita ir votar no candidato republicano.
Com um casaco bege e cachecol de lã de dois azuis diferentes apesar do sol ameno de Lisboa, Zimler admite que Hillary Clinton "é uma senhora do sistema, grande amiga dos bancos e dos lóbis", e diz que por isso tanta gente gostava de Bernie Sanders, o senador do Vermont que obrigou a ex-primeira-dama a lutar até ao fim pela nomeação democrata. Uma das maiores dúvidas é saber em quem os apoiantes de Sanders vão votar: "Se no último momento eles decidirem que não vale a pena, ela terá problemas", explica Zimler no seu português pintado de sotaque americano. "Ela é mesmo uma política. É política há 40 anos e com aquele marido [o ex-presidente Bill Clinton] teve de aprender muito jovem a usar uma máscara em público", acrescenta.
Tantos anos na alta política americana deram à candidata democrata uma experiência inegável e dificilmente igualável. Eileen McDonough admite que gosta de Hillary "ao contrário de muita gente". E que a ex-primeira-dama "é inteligente e certamente qualificada" para ocupar a Casa Branca. Mas a artista, que chegou a Portugal em 1994 para dar aulas durante nove meses e ficou até hoje, admite que Hillary "é demasiado politicamente correta. E não tem o carisma do marido".
Alta, loura e esguia, esta mãe de uma adolescente de 14 anos que se apaixonou pela calçada e pelos mosaicos portugueses fala a nossa língua, mas prefere o inglês quando se trata de analisar umas eleições que, na sua opinião, vieram provar que "os homens se sentem ameaçados" por uma mulher como Hillary. Uma opinião partilhada por Zimler, segundo o qual "há uma minoria de pessoas nos Estados Unidos que não querem ver uma mulher com poder, uma mulher inteligente, a mandar nos homens". Para o escritor, essa é uma das últimas batalhas: ganhar a igualdade para as mulheres.
Outro voto com que Hillary pode contar é o de Blaine Tavares. A antiga presidente do American Club, que há 43 anos trocou a América por Portugal por causa de "um alentejano irresistível", já votou por correspondência e acredita que "com a toda a sua experiência a próxima presidente seja uma magnífica presidente". Qualificada, inteligente, os elogios à ex-primeira-dama repetem-se e, para Blaine Tavares, se chegar à Casa Branca, Hillary vai precisar de todas as suas qualidades para "lidar com os problemas tanto internos como externos". Agora reformada, a mulher que presidiu ao American Club de Lisboa durante 12 anos lamenta que haja "tanta divisão nos Estados Unidos". Mas diz esperar que Hillary consiga fazer aquilo que Barack Obama tentou mas que foi travado pelo Congresso.
Blaine Tavares admite mesmo que depois de tantos anos longe do país natal, e apesar de se sentir americana, a América "tornou-se um país estrangeiro para mim".
Personagem de cartoon
Há quatro anos, Allan Katz estava em Lisboa a assistir à reeleição de Barack Obama. O então embaixador dos EUA em Portugal apaixonou-se de tal forma pela capital portuguesa que hoje passa grande parte do ano no seu apartamento da Ajuda. Hoje vai estar nos Estados Unidos e diz estar confiante de que Hillary vai ganhar. Mas não deixa de lamentar que esta eleição tenha sido em grande parte "sobre Donald Trump". Sentado no lobby do Hotel Tivoli, diante do pequeno almoço, Katz não poupa nas palavras quando se refere ao candidato republicano. "É um homem que não pensa. Largou os cães. Disse coisas horríveis de pessoas, elaborou conspirações, sem qualquer preocupação." E remata: "Trump é quase uma personagem de um cartoon."
Quanto a imaginá-lo na Casa Branca, nem pensar. Mas o ex-embaixador acredita que o milionário terá dificuldade em se afastar da ribalta política depois de uma eventual derrota nas eleições. "A sua marca empresarial está enfraquecida. Há muita gente que não vai dormir num hotel Trump. Centenas de organizações vão ter medo de marcar um congresso num hotel Trump", explica Katz, referindo-se aos danos que a campanha causou nos negócios do milionário do imobiliário. "E ele gosta tanto das luzes da ribalta."
Patrick Siegler-Lathrop também está convencido de que Trump vai manter-se pela política. Pelo menos "se não perder por muito". Nascido em França, mas criado nos Estados Unidos, o homem que há pouco mais de um ano assumiu a presidência dos Democrats Abroad Portugal admite que "temos medo". A viver há oito anos em Portugal com a mulher dinamarquesa e as três filhas, Patrick já votou. "Na Florida. E levei as minhas filhas." Só a mais nova, prestes a fazer 18 anos, ainda não pode votar.
Com uma carreira dividida (além de muitas outras coisas) entre Wall Street e as aulas de Empreendedorismo em Paris, o presidente dos democratas em Portugal admite ser difícil explicar porque tanta gente vai votar em Trump, mas recorda que à "agenda racista promovida pelo Partido Republicano" junta-se uma classe média ignorada pelo establishment e que "votaria e qualquer pessoa que lhe prometesse que vai tornar a América grande outra vez". E Trump conseguiu mobilizar esse descontentamento. Até porque "do outro lado está alguém que é o produto desse establishment há 30 anos".
Desafios do Supremo e da união
Mesmo que no dia 9 o mundo acorde para a vitória de Hillary Clinton, os desafios não acabam por aí. O primeiro será unir o país depois daquela que é vista como a campanha presidencial mais feia de sempre. Outro será renovar o Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial dos EUA. Nos últimos meses, a maioria republicana bloqueou o nomeado de Barack Obama para substituir o falecido juiz Antonin Scalia. "O próximo presidente vai nomear provavelmente quatro juízes do Supremo. É superimportante. O Supremo determina em grande parte o rumo político e social do país - casamento homossexual, aborto, etc.", exclama Richard Zimler. Para o escritor, a escolha entre Hillary e Trump vai determinar se "vamos ter uma política social progressista e liberal nos próximos 20 anos ou se vai ser uma política conservadora e reacionária".
A grande dúvida reside, portanto, em saber se os democratas conseguem recuperar a maioria no Senado, a câmara alta do Congresso pela qual passa a aprovação dos juízes para o Supremo. "Se não ganhar o Senado será o inferno", resume Patrick Siegler-Lathrop. O presidente dos Democratas Abroad Portugal acredita que Hillary Clinton até "é boa a negociar nos bastidores", mas admite que o bloqueio dos últimos anos acabará por se manter.
Também para Allan Katz, a capacidade de diálogo com os republicanos será um dos grandes desafios de uma eventual presidência de Hillary Clinton. Mas o ex-embaixador destaca ainda a política externa e a reforma da saúde como pontos essenciais.
E se for Trump a ganhar? Zimler confessa que "o meu maior medo é que ele pode provocar mais guerras. Ele adorava ser o ditador dos Estados Unidos", remata o escritor.