Em Pegões Velhos, são os mais próximos a festejar vitória de Rúben Guerreiro

Rúben Guerreiro foi recebido com balões azuis pela família e amigos. Os habitantes de Pegões Velhos orgulham-se do título de "rei da montanha" mas sem grandes manifestações. São mais virados para os touros que para o ciclismo.
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Duas faixas a saudar o "rei da montanha", conversas no café e na rua e pouco mais se alterou em Pegões Velhos, freguesia do Montijo, onde Rúben Guerreiro cresceu, foi à escola e deu as primeiras pedaladas. A família e os amigos receberam-no no adro da igreja com balões azuis e que rebentaram no momento em que o jovem chegou à terra, na segunda-feira, já passava das 20.30.

"Tive uma conversa com o Rúben antes de partir para Itália e ele disse que o objetivo era ganhar uma etapa. Ganhou uma etapa, teve sorte. O título de rei da montanha veio por acréscimo. Não imaginava, aconteceu, somou muitos pontos na etapa que ganhou", explica o pai, que na segunda-feira quando foi esperar o filho ao aeroporto lhe disse: "Finalmente".

Em Pegões Velhos, que também se chama Santo Isidro de Pegões, são muitos os que conhecem o jovem, que lhe reconhecem os méritos desportivos, mas as manifestações de orgulho ficam-se pelas palavras. E nem todos querem publicitar a sua alegria através de uma foto, a começar pelos pais.

"Estava a família e os amigos mais chegados, também não podiam ser muito mais devido à pandemia, infelizmente", conta Patrícia Martinho, 41 anos. Trabalha na empresa dos pais do Rúben de produção de flores há 23 anos, tinha o Rúben 3. "Chegou a andar aqui comigo quando era mais jovem, nas férias, sempre muito inspirado no que queria", conta. Acompanhou o crescimento de um jovem "determinado e sossegado", ao contrário do irmão, "mais reguila", o Francisco Guerreiro, de 20 anos, também ciclista.

António e Fernanda Guerreiro, os pais, têm há 33 anos estufa de flores numa herdade à saída de Pegões Velhos, onde se chega por terra batida. Abastecem o Mercado da Ribeira, outros armazéns e lojas. Esta terça-feira antecipou-se a azáfama das flores para levar aos cemitérios no Dia de Todos os Santos e dos defuntos, uma vez que estão proibidas as deslocações entre concelhos de 30 de outubro e 3 de Novembro.

"Não são muito amantes do ciclismo, esta é uma zona do Ribatejo e preferem os touros", justifica o pai do atleta, António Guerreiro. Escolheu Luís Rouxinol para padrinho do filho, uma vez que o toureiro é da família. É a celebridade antes do feito do afilhado.

Rúben é um orgulho para a terra, "uma surpresa" do menino que viram crescer e que não imaginavam ver chegar tão longe.

"Foi uma alegria das grandes, conhece-o desde pequeno, o meu neto andava nas bicicletas com ele", conta Diogo Agulhas, 71 anos. Bebe com José Gameiro, 64, (reformado) e Fernando Nunes (agricultor), 58, uma mini pelo atleta na Sociedade Recreativa de Pegões Velhos, fundada a 29 de maio de 1978. Acompanharam intensamente os últimos da Volta à Itália, desde que perceberam que um jovem da terra podia ser considerado "o rei da montanha" em Itália.

Trepador, nascido numa zona onde o terreno é plano e o mais previsível seria Rúben treinar a velocidade. Mas o ciclista começou por pedalar na Serra da Arrábida e passou a fazer estágios na Serra da Estrela e Serra Nevada (Espanha) quando se tornou mais profissional, explica o pai, António Manuel Guerreiro.

Patrícia Martinho viu o Rúben começar com o pai na BTT, que o levava para os estágios e provas e corria para trocar uma roda da bicicleta. Preocupou-se quando o ciclista começou a fazer treinos na Serra da Arrábida, sofreu quando ele partiu a clavícula numa prova, festejou as provas com o mesmo entusiasmo que os pais. Festejos que redobraram quando o jovem terminou o Giro d'Itália, no domingo, em Milão e imitou Cristiano Ronaldo no gesto de vitória quando marca um golo.

"Sou do campo mas sempre fui um entusiasta das bicicletas. Gosto de andar de BTT e levei o Rúben, tal como o irmão", diz o pai, aceitando ter passado o bichinho do ciclismo aos filhos. "Várias vezes andou comigo, depois começou a querer competir a sério e foi para a BTT e, até ao ciclismo de estrada, foi um pequeno passo", explica. Mostra-nos a primeira bicicleta usada por Rúben em competição de BTT, tinha o rapaz 15 anos.

"Mas o verdadeiro responsável foi o meu tio, Manuel Candeias, vai fazer um ano que morreu. Trabalhava numa fábrica de carros na Alemanha e, quando regressou a Portugal, aos 49 anos, trouxe uma bicicleta e eu comecei a andar. Foi ele que trouxe as bicicletas para a família", conta António. A viúva, a tia Lurdes Maria, ouve e comenta: "Agora, temos o comboio de Pegões".

Momento para explicar de onde vem a alcunha de cowboy de Rúben Guerreiro O cognome foi uma surpresa da família, uma das justificações pode ser o facto de ter ido aos 21 anos para os Estados Unidos, para correr pela Axeon, em 2016.

O progenitor tem outra explicação. "Cowboy foi uma brincadeira dos amigos. O Alberto Contador [Trek] é um trepador e chamam-lhe "El pistolero", o Rúben não podia ter o mesmo nome e ficou cowboy.

"O pai sempre desde cedo as capacidades para a competição no filho. "E é muito trabalhador, profissional, muito rigoroso com os treinos",, com a ressalva que também é preciso sorte. E Rúben, de 26 anos, tem tido azares, nomeadamente quando passou a profissional: problemas físicos e apendicite na TreK , uma clavícula partida numa prova na Katusha. . "Agora, as coisas correm muito bem, num dia em que corram bem já ninguém se lembra dele", comenta António.

Rúben Guerreiro começou a competir no Mato-Cheirinhos, depois no Alcobaça, mais tarde na Liberty Seguros, em Vila da Feira. É daqui que dá o salto para o estrangeiro, para o Axeon, em 2016. Torna-se profissional no Trek, onde esteve dois anos, passou um ano pela Katusha, tem um contrato de dois anos com a EF Pro Cycling.

À pergunta: ganha muito dinheiro?, o pai responde: "O Rúben não ganha nada comparado com o valor que tem".

Valor que faz sonhar Rúben em ganhar provas nas três grandes voltas: Espanha, Itália e França. A Volta a Portugal pertence a um campeonato inferior. Ganhou a maglia azzurra (camisola azul) em Itália, foi segundo em Espanha. Quer participar na prova francesa, ganhar uma etapa no Tour.

Santo Isidro de Pegões é uma antiga freguesia de Montijo, a 50 km de Lisboa, tem 1538 habitantes (Censos de 2011). A herdade pertencia a José Rovisco Pais, agricultor e industrial de cervejas, que tentou instalar ali um projeto de colonização para fixar a mão-de-obra assalariada. Era a Colónia Agrícola de Santo Isidro de Pegões.

"Somos filhos dos colonos, o meu pai era da Amareleja [Moura] e veio para aqui tinha eu 4 anos. Isto aqui só tinha pinhal, os colonos vieram cultivar as terras e tinha uma cláusula em como podiam ficar com elas ao fim de 30 anos, mas pagaram. Davam uma parte do que colhiam", conta Diogo Agulhas, engenheiro agrícola reformado.

Ao falecer em 1932, Rovisco Pais doou aos Hospitais Civis de Lisboa, ficando a herdade para o estado. Os colonos dedicaram-se à agricultura, tendo pago as casas e as terras com os bens agrícolas que colhiam.

É o arquiteto Eugénio Correia que projeta o bairro, composto por igreja, três habitações destinadas ao padre e duas escolas primárias, uma para cada sexo antes do 25 de abril. É a Escola Básica de Pegões Velhos e que, agora, tem 26 anos, do 1.º ao 4.º , muito menos de quando Rúben Guerreiro ali estudou. Espécie de túneis coloridos, bem modernistas se pensarmos que foi há 70 anos.

Nuno Teotónio Pereira escreve sobre o projeto: " as obras de Eugénio Correia, com as suas construções em superfícies parabólicas, constituem um grito de radical modernidade que fazem delas um caso singular no panorama da arquitetura em Portugal. (...) A juntar a isso, acontece que, dentro desta forma, não muito comum no contexto da arquitetura moderna, a técnica construtiva, à base de fusos cerâmicos, lhes confere uma acrescida originalidade".]

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