Em nome da tropa, discuta-se

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Há 50 anos, Raul Solnado contou a sua ida à guerra de 1908. Ele chegou com uma bala, que um furriel mostrou como usar. Atava uma guita à bala, atirava, puxava a guita e reutilizava a bala. E lá partiu Solnado, até que ("estava eu a matar muito quentinho") recebeu ordens para ir ao inimigo buscar os planos da pólvora. Quando estava a contar os seus feitos de guerra ao capitão, entrou outro soldado que anunciou ter feito um prisioneiro. "Onde é que ele está?", perguntou o capitão. E o soldado: "Não quis vir"... Durante décadas, a guerra de Solnado pareceu ingénua e até sovina em balas. Diz-nos a atualidade que, afinal, foi perdulária. Sabemos agora que as patrulhas que de vez em quando passavam pelos paióis de Tancos iam sem bala (nem guita) na arma, para prevenir acidentes. O que não impediu o estrondoso tiro que a tropa acabou por dar no pé. Felizmente as patrulhas eram raras, o que acautelou a eventualidade de se cruzarem com mal-intencionados cobiçando os paióis. O que faria um soldado, sem bala, num caso desses? Regressar ao quartel e participar a detenção de um invasor que, lamentavelmente, insistiu em não o acompanhar e corroborar a detenção?... Receio que este episódio ridículo de Tancos possa entrar numa espiral. Na esteira do escândalo, vai-se escrutinar o que antes nos deixou indiferentes: por exemplo, é normal recorrer-se a empresas privadas de segurança para se guardarem instalações militares? Seja, não se fuja à discussão. Mas esta deve ser feita com a convicção de Galileu: "E, no entanto, precisamos da tropa."

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