Em Inglaterra, quase 30 mil crianças dizem que fazem parte de gangues
Por definição, um gangue é um grupo que reside numa determinada área, regido pelas suas próprias regras, com um líder e até um nome, normalmente associado à criminalidade. Mas em Inglaterra há uma particularidade nos gangues que está a preocupar as autoridades: segundo a BBC, um relatório da comissão de proteção de menores local mostra que há 27 mil crianças entre os 10 e os 17 anos que se identificam como parte de um gangue; 34 mil diz ter sido vítima de um episódio de violência entre gangues e há ainda 313 mil que revelam conhecer pelo menos um membro de um destes grupos.
Em entrevista à estação britânica, a comissária Anne Longfield alertou para o facto de os gangues estarem a recorrer a "técnicas sofisticadas" para recrutar crianças. Algumas destas são semelhantes às de abuso sexual, oferecendo-lhes algum "incentivo".
Estes grupos têm procurado diversificar o seu recrutamento, para fazer face ao conhecimento das autoridades, habituadas a identificar métodos tradicionais. Segundo o relatório, os gangues "propõem-se a atacar estas crianças mais vulneráveis", nomeadamente aquelas que sofram de problemas de saúde mental ou tenham passado por algum tipo de abuso e negligência familiar.
Frente aos resultados, o Ministério do Interior já disse estar "comprometido em proteger" estas crianças.
Uma adolescente de 14 anos contou à BBC como se envolveu com um gangue quando tinha apenas 12, após um período de abuso físico e sexual às mãos de um membro da família. Começou a consumir álcool e drogas, como cocaína, acabando até a vendê-las madrugada dentro pelas ruas. No mesmo grupo estava o seu irmão, dois anos mais velho.
"Éramos jovens e estávamos a ganhar dinheiro, mas ainda não compreendíamos o que estava a acontecer", confessou. Num determinado momento, às drogas e ao álcool juntou a prostituição. "Dormia com alguém só para ganhar dinheiro ou apenas para arranjar mais droga", contou. "Chegou a um ponto em que tudo ficou realmente mal e foi aí que a polícia teve de intervir".
Agora, a adolescente (que quis manter o nome e o rosto anónimos) já não pertence a um qualquer destes grupos e revela que "odiava" quem era na altura. "Era violenta, uma pessoa horrível", lamentou.
Apesar de a associação à criminalidade ser quase instantânea a quem está integrado nestes grupos, a equipa de investigadores que participaram no relatório alerta que nem todos os membros jovens estão envolvidos em crimes ou violência grave. Aliás, para muitas delas, "o envolvimento nestes gangues não é um ato voluntário", porque "em algumas áreas, elas são consideradas membros destes grupos simplesmente pelo local onde residem ou pelo histórico da família à qual pertencem", pode ler-se no relatório.
"Ao contrário de olharmos isto como uma escolha de vida, quero que as pessoas vejam que elas são crianças vulneráveis e precisam de proteção", acrescentou a investigadora Anne Longfield.
Em 2017, números da Polícia Metropolitana de Londres estimavam que um em cada 500 crimes violentos foram relacionados com gangues, bem como 15% dos homicídios ocorridos desde 2010 na capital.
E grande parte do problema pode mesmo estar a nascer nas escolas. Dados provenientes de 21 forças de seguranças diferentes em Inglaterra e no País de Gales mostraram que a quantidade de crianças que carregam armas brancas consigo para as instituições e ensino também aumentou. Entre 2017 e 2018, foram encontrados 363 objetos pontiagudos, um aumento relativamente a 2013 e 2014, período em que foram encontrados menos 94.
O Comissário de menores está agora a pedir ao governo que torne a exploração criminal infantil uma "prioridade nacional". Em resposta, o governo já disse ter elaborado uma proposta para os "parceiros de educação, serviços sociais e saúde", de forma a "trabalharem juntos para combater a violência com uma abordagem de saúde pública". Adianta ainda que irá "fornecer 220 milhões de libras para apoiar crianças e jovens em risco de se envolverem em violência e gangues".