Em defesa dos ressabiados

Publicado a
Atualizado a

Segundo variadíssimas cabeças com provas dadas, parece que não se pode acreditar em Carolina Salgado. E não se pode porquê? Porque a Carolina está ressabiada. Há muito tempo que não se via tanta virgem ofendida vir dar gritinhos para a praça protestando contra um livro, já apelidado de "literatura de cordel" e de "pedaço de papel higiénico". Ora, convém colocar algum travão na hipocrisia. A prosa da senhora pode ser deplorável, as suas intenções rasteiras e o seu coração escuro como breu, mas utilizar o argumento moral da ressabiada para desvalorizar as suas confissões é uma idiotice. Por uma razão muito simples: o ressabiamento dorme com a denúncia desde o princípio dos tempos. Movidas pelo ódio, as pessoas denunciam. Denunciam por vingança, por ciúme, por mau perder, denunciam pelos piores sentimentos e pelas mais desagradáveis razões, mas é em cima desse colchão incómodo que repousa quase toda a justiça e boa parte da comunicação social. Quando um envelope chega com documentos comprometedores ou o telefone toca numa redacção, poucas vezes encontrei do outro lado da linha o bom samaritano, disposto a arriscar o seu pescoço em nome do bem, do belo e da verdade. Do outro lado estão o ódio e a raiva, a apontarem o dedo.

A diferença do caso Carolina Salgado é que ela decidiu escrever um livro, procedimento muito comum em Inglaterra ou nos Estados Unidos mas ainda pouco habitual em Portugal. Se em vez de escrever o livro tivesse soprado as informações aos jornalistas a coberto do anonimato não haveria qualquer escândalo. Mas, para o bem e para o mal - para o bem do seu bolso e para o mal da sua reputação -, resolveu dar a cara. Há ainda uma outra diferença: o seu ressabiamento é amoroso, que é o mais violento de todos os ressabiamentos e aquele que a sociedade vê com piores olhos. Mas isso, mais uma vez, é moralismo de paróquia. A senhora Carolina Salgado pode ser a mais miserável e mesquinha das personagens, mas o que está aqui em causa e deve ser averiguado é o que ela diz, e não as razões que a levaram a dizer.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt