Em Conacri, a PIDE ainda matou Amílcar Cabral
Uma estrela no chão com uma estátua de Amílcar Cabral ao centro assinala o local, em Conacri, capital da República da Guiné, onde o líder independentista Amílcar Cabral morreu baleado pelas autoridades portuguesas, segundo um diplomata guineense.
Amílcar Cabral morreu "com três tiros da PIDE [Polícia Internacional e Defesa do Estado português]", afirmou em Conacri o encarregado de negócios da embaixada da Guiné-Bissau, Rosi Cancola, contrariando a versão final de vários historiadores que apontam opositores internos como os responsáveis pela morte do dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
No local exato da morte do herói independentista, considerado o pai das nações guineense e cabo-verdiana, foi erigida uma estátua "em honra" de Amílcar Cabral, também para homenagear todos os "antigos combatentes, aqueles que, na realidade, participaram na luta armada de libertação".
Cabral foi morto a 20 de janeiro de 1973 junto à sua residência, onde funcionava o secretariado-geral do PAIGC, que é hoje a embaixada da Guiné-Bissau em Conacri. Situada em Minière, na comuna de Dixinn, as antigas residências de Amílcar Cabral e Aristides Pereira (antigo presidente de Cabo Verde), integram a representação diplomática da Guiné-Bissau, que serve uma comunidade de cerca de cinco mil guineenses que vivem naquele país vizinho.
Foi naquele local que Amílcar Cabral, também conhecido pelo seu nome de guerra Abel Djassi, conduziu a luta contra a ocupação portuguesa da Guiné-Bissau e Cabo Verde e foi aí que morreu, assassinado com três tiros, há 50 anos, depois de regressar para casa, vindo de uma receção na embaixada da Polónia.
"Isto aqui é o nosso património, a nossa ideia e o nosso pilar da independência", afirmou à Lusa Rosi Cancola.
No local é também possível visitar a casa onde Amílcar Cabral vivia, juntamente com a mulher e a filha, e ver o Volkswagen "Carocha" que conduzia. Um outro pode ser visto em Bissau, no museu situado na Fortaleza da Amura. Na casa, ainda estão antigos aparelhos de telecomunicações. É no jardim da embaixada que se encontra também a alegada primeira arma que o PAIGC terá utilizado para disparar contra os portugueses.
"Aqui é a nossa casa da independência e vamos tentar ver se o governo pode arranjar meios financeiros para tornar isto um museu nacional da Guiné-Bissau para que toda a gente venha conhecer a história de Amílcar Cabral, a história da luta armada de libertação e os seus combatentes. Creio que o governo terá de fazer um esforço para isso", afirmou o encarregado de Negócios da embaixada.
Rosi Cancola, destacado no país há vários anos, explicou que, em Conacri, os "mais velhos" ainda falam de Amílcar Cabral com saudade, até pelo estilo de vida frugal que cultivava, evocando declarações públicas da mulher de Sekou Touré, antigo presidente da Guiné-Conacri.
A antiga primeira-dama acompanhou as cerimónias fúnebres e teve dificuldades em escolher um fato porque o líder da luta armada tinha apenas duas camisas entre a roupa que possuía.
"Para ver como é a ideia de um combatente. Tinha duas camisas brancas e não tinha roupa [formal]. Foram procurar roupa na vizinhança para o cobrir", disse Rosi Cancola.
"Está a ver como é a consciência da luta armada, como é? Um homem íntegro, como é que pensa. Podia ter muito mais dinheiro, mas não fez isso pela independência da Guiné-Bissau, para nós, que estamos cá hoje", salientou o diplomata.
Para Rosi Cancola, Amílcar Cabral é "património da humanidade" e isso é um "orgulho" para os guineenses e cabo-verdianos.
Filho do cabo-verdiano Juvenal Cabral e da guineense Iva Pinhel Évora, o líder histórico nasceu na Guiné-Bissau em 12 de setembro de 1924, partiu para Cabo Verde com oito anos, acompanhando a sua família, onde viveu parte da infância e adolescência.
Posteriormente, foi fundador do então PAIGC, líder dos movimentos independentistas na Guiné-Bissau e Cabo Verde, e foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, em Conacri, aos 49 anos.
Amílcar Cabral é considerado um dos ícones da luta anticolonial em África, tendo imposto, como militar as maiores dificuldades a Portugal durante a guerra colonial.
Exemplo da sua importância é o facto de uma lista feita por historiadores para o programa World Histories Magazine, da BBC, o terem considerado o segundo líder mundial mais inspirador de todos os tempos, numa lista encabeçada por Ranjit Singh, marajá do império sikh, no início do século XIX.