Em Cabo Delgado, as forças ruandesas amedrontam os jihadistas
Os jihadistas que há cinco anos atacam a província de Cabo Delgado nunca temeram os soldados moçambicanos, disse um combatente capturado. Mas desde que as forças de defesa do Ruanda foram destacadas para Moçambique, há seis meses, "começaram a ficar com medo e tornaram-se fracos".
O exército ruandês deixou, no final do mês passado, jornalistas entrevistarem alguns dos combatentes que capturaram desde que iniciaram as operações na região, em julho. Entrevistas raras que revelam a baixa moral nas fileiras do grupo e uma insurgência que está a perder força diante das tropas ruandesas.
Ligado ao Estado Islâmico, o grupo extremista atacou vilas e aldeias no norte de Moçambique desde 2017 com o objetivo de criar um califado. É conhecido localmente como Al Shabab, mas não tem ligações ao grupo com o nome igual na Somália.
Jusuf Mohamed, um moçambicano que pertence ao grupo, que aparenta estar na casa dos 20 anos, disse que os insurgentes têm vindo a perder terreno nos últimos meses. "Eles na realidade perderam o poder", disse aos jornalistas numa base ruandesa na província de Cabo Delgado, poucos dias após ser capturado. Agora "fogem assim que ouvem os primeiros tiros ruandeses". Ele disse que os seus comandantes lhes deram instruções para "não atacar" os ruandeses.
Atrás dele, uma panóplia de equipamento apreendido, incluindo lança-granadas, armas e telemóveis estava colocado sobre uma lona. Mohamed e outros jihadistas estavam sob o controlo das forças ruandeses, mas seriam em breve entregues às autoridades moçambicanas.
Depois de os jihadistas terem atacado no ano passado a cidade de Palma, matando dezenas de pessoas, o Ruanda enviou cerca de mil soldados para Cabo Delgado. Desde então, chamam-lhes majeshi makali, ou "soldados muito fortes", em suaíli.
Outro militante detido, Madi Muhamed Sadi, concordou que os jihadistas estavam a ter dificuldades em retaliar contra o "novo exército". Tudo o que fazem agora é "fugir" sempre que as suas posições são atacadas, disse o tanzaniano.
Não era claro quando é que Sadi se juntou aos rebeldes, mas ele disse que a maioria dos líderes do grupo são da Tanzânia. "Também havia um moçambicano e três tipos brancos, dois deles morreram antes de eu chegar", afirmou. "Também há alguns árabes... eles falam suaíli."
O presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse que a região tem sofrido menos ataques desde o destacamento de mais de 3100 tropas estrangeiras no ano passado - um número que inclui contingentes do Ruanda e de países do sul do continente africano, além do apoio dos europeus e dos EUA.
Várias fontes têm dito à AFP que as tropas do Ruanda parecem ser o contingente mais efetivo e aquele que mais frequentemente está envolvido em operações de combate.
A insurgência de quase cinco anos já matou mais de 3700 pessoas e levou mais de 800 mil a fugirem das suas casas. Os combates também forçaram a gigante global Total Energies a suspender as operações de vários milhões de dólares de exploração de gás natural em Afungi, perto de Palma.
Apesar dos progressos aparentes, ataques esporádicos contra civis ainda são reportados na região costeira, o último deles resultou na morte de quatro pessoas no fim de semana. A violência está também a migrar para o interior e a vizinha província de Niassa. Sadi disse que os jihadistas continuam determinados a seguir na luta, apesar dos contratempos. "Temos de continuar. Não podemos voltar atrás."
Outro combatente capturado, Aby Bakhar Selim, disse ter sido forçado a juntar-se aos extremistas depois de estes terem atacado a sua aldeia de Macomia e decapitado o seu pai, antes de o capturar, ao irmão e à irmã mais nova. "Eles violaram-na e agora está grávida", disse o jovem moçambicano. Apesar de alegar ser do grupo, diz que é contra a forma como os outros combatentes abusam de mulheres e crianças. "Dói-me muito. As mulheres e as crianças estão a morrer sem razão", disse. "As mulheres são violadas todos os dias."
Os jihadistas raptaram mais de 600 mulheres e crianças nos últimos três anos, segundo os números da Human Rights Watch divulgados no ano passado. O grupo força as jovens mulheres e raparigas a "casar-se" com os seus combatentes, "que as escravizam e abusam sexualmente", enquanto outras têm sido vendidas a militantes estrangeiros por valores que vão desde os 600 aos 1800 dólares, segundo a organização.
Na base ruandesa depois de ter conseguido escapar do grupo, Elise Joaki, uma mulher com o cabelo em tranças que parece ter quase 30 anos, conta a sua terrível provação depois de ser raptada. "Como mulher, passas o primeiro mês inteiro a ser violada para te preparar para pertenceres a um homem que eles escolhem para ti", disse. E se "recusas dormir com ele, eles batem-te". "Se tiras o teu véu e tens o azar de ser vista por um homem", eles batem-te", acrescentou. "A vida lá é sempre terrível".