Em 2022 houve uma "nuvem cinzenta" a assombrar a carreira docente. E vai continuar em 2023
"Desvalorização", "desrespeito", "instabilidade", "abandono". Muitas são as palavras de descontentamento que resumem a condição dos professores em Portugal e os consequentes problemas que em 2022 se tornaram evidentes através de greves e manifestações. Apesar dos anúncios do governo, pouco significativas foram as mudanças que se verificaram e a falta de professores é um problema que não parece dar tréguas às escolas do país.
O DN quis ouvir a perspetiva das principais associações de professores para 2023 perante o que se passou este ano. As respostas foram concordantes e os desejos para uma valorização da carreira docente revelam ser o mote das greves, que prometem aumentar logo no início do segundo período do ano letivo.
Para Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), "este foi um ano de estagnação completa, em que se esperava respostas e uma preocupação do governo para a Educação". "Contudo, continuamos sem soluções, o que fez com que alguns dos velhos problemas se agravassem e até surgissem problemas novos", afirma.
"Não havia uma grande expectativa, uma vez que o Orçamento do Estado não previa as verbas necessárias para dar respostas aos problemas, mas tínhamos um Plano de Recuperação de Aprendizagens que era suposto permitir às escolas dar mais e melhores respostas. No entanto, as escolas não conseguiram contar com muito mais do que já tinham", explica.
De acordo com o secretário-geral da Federação, durante o ano letivo que já terminou "houve a confirmação de que os problemas que têm afetado os professores e são determinantes para a qualidade das aprendizagens, não foram resolvidos", principalmente a falta de profissionais, "que se fez sentir mais do que nos anos anteriores".
Outro dos fatores que conduz à falta de professores é a pouca atratividade da profissão, havendo um número reduzido de jovens que pretendem seguir a carreira de docente: "Calculamos que cerca de 15 mil professores profissionalizados abandonaram a profissão e a maior parte dos jovens que concluem o Ensino Secundário não desejam ser professores, porque sabem como estão as condições de trabalho", diz Mário Nogueira.
Ainda que a colocação de professores não-diplomados possa ter sido vista como uma "luz ao fundo do túnel" para muitos, Mário Nogueira considera que "a falta de investimento na Educação traduz-se na falta de trabalhadores qualificados".
Logo, são necessárias medidas que criem atratividade "quer para os jovens que já eram professores e abandonaram, quer para os jovens que ainda vão concluir o Secundário", tais como o "combate à precariedade, a reorganização de horários de trabalho e a regularização da carreira".
Mário Nogueira demonstra ainda uma preocupação com a densidade horária dos professores, que impede um distanciamento entre a vida pessoal e profissional e não possibilita tempo de qualidade com os alunos.
"Se queremos promover uma educação inclusiva, as escolas têm que ter recursos nesse sentido. As escolas devem poder contar com mais horas para projetos, apoios e coadjuvações e têm de ter um reforço significativo do seu crédito de horas para poder dar outras respostas complementares às aulas. Enquanto isso não acontecer, os professores vão continuar extremamente sobrecarregados com o horário letivo", adianta.
Uma "nuvem cinzenta". É assim que Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), descreve a falta de professores que se mantém e que, ao longo dos anos, "tem vindo a percorrer o território nacional de sul para norte".
Considerando a atualização das habilitações para dar aulas, que permite a colocação de professores não-diplomados como medida de combate ao número reduzido de docentes, Filinto Lima considera que esta é apenas uma resposta temporária, havendo uma única solução possível: tornar a profissão mais atrativa para os jovens.
"Ainda é cedo para saber os resultados, mas esta é uma medida oportunista. Queremos nas escolas professores habilitados, experientes e que procuram novos conhecimentos. Este é o registo que procuramos ver nos próximos anos letivos", afirma.
Fora a contratação de novos profissionais - a maior urgência nos dias que correm -, o presidente da ANDAEP aponta outros problemas e admite a exigência de um aumento do vencimento dos professores a nível nacional: "Gostaria que houvesse um investimento cada vez maior nas nossas escolas ao nível dos recursos humanos. Atualmente o ordenado de um professor é muito baixo, tendo em conta a sua enorme responsabilidade. São os professores que preparam os alunos para o futuro."
"Os professores não veem valorizada e dignificada a sua carreira e sentem-se descontentes com a sua avaliação de desempenho e progressão. Estão constantemente condicionados pela sua estadia e deslocação e não têm qualquer tipo de apoio quando estão a muitos quilómetros de casa", sublinha.
Além disso, Filinto Lima destaca que é importante um investimento para obras nos edifícios das escolas - visto que muitas instituições do país estão degradadas - e um reforço ao nível dos assistentes operacionais: "É necessário mais funcionários para o funcionamento das nossas escolas."
Face aos investimentos exigidos na Educação, Filinto Lima apela à conformidade entre o Ministério da Educação e o Ministério das Finanças, dado que apenas atuando juntos se poderá chegar às soluções necessárias.
"Para 2023 quer-se, acima de tudo, entendimento entre os ministérios. O Ministério das Finanças tem de ser um forte aliado do Ministério da Educação. É a única forma de conseguir soluções para o futuro", diz. "Gostaria que as escolas respirassem paz. Os nossos professores precisam de estabilidade para continuarem a fazer um trabalho de excelência junto dos alunos", frisa.
Também Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), partilha da opinião de reunir os dois ministérios para o mapeamento de soluções eficazes.
"Há um acentuado desconforto e instabilidade na própria classe. Dentro de tudo aquilo que se tem pedido quanto à dignificação e valorização, o que os professores gostariam que fosse feito pelo Ministério da Educação e pelo Ministério das Finanças era que houvesse um aumento financeiro da classe e a eliminação das quotas na progressão da carreira dos docentes", esclarece. Assim sendo, Paula Carqueja considera relevante a realização de uma reunião entre as associações de professores e os ministérios para que "se reconheça a profissionalidade dos docentes".
"O ministério tem de ouvir os desabafos dos professores. É preciso que o ministro desperte para o desencantamento, desrespeito e mal-estar que os professores sentem neste momento, porque na prática não vemos nenhum reconhecimento", sublinha.
Apesar das dificuldades sentidas diariamente pelos professores de Portugal, a presidente da ANP enaltece o esforço dos docentes que "continuam a ensinar os futuros cidadãos". "Os professores sentem-se abandonados e desrespeitados. Ainda existe muita violência por parte dos, encarregados de educação e alunos e, no geral, falta articulação entre os pais e a escola", conclui.
Considerando as previsões para o próximo ano, as associações de professores apontam apenas para uma hipótese: haverá certamente mais greves.
Segundo Mário Nogueira, 2023 será um ano de "luta", prevendo-se mais manifestações com o objetivo de "obrigar o ministério a vir à negociação" e pressionar o poder político a resolver as questões pendentes.
Já Filinto Lima aponta para um aumento das greves "atípicas", tal como a recente greve por tempo indeterminado convocada pelo STOP (Sindicato de Todos os Professores). "É preciso olhar para os professores com outros olhos e valorizar e dignificar a carreira docente. Se isto não acontecer, é certo que haverá um aumento do número de greves", conclui o presidente da ANDAEP.
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