Elvira Fortunato "Os jovens investigadores têm de ser os nossos embaixadores nas empresas"
Que impacto vai ter o Prémio Pessoa na área de investigação dos materiais, que é a sua área de eleição?
Vai ter um impacto muito grande, mão só a nível nacional mas até a nível europeu. Penso que este prémio vai catapultar esta área. O Conselho Europeu de Ciência decidiu, pela primeira vez, que neste ano irá aparecer uma nova área para receber propostas, que é precisamente a área da Engenharia dos Materiais. Isto significa que a própria União Europeia já reconhece que é uma área extremamente importante, já que a considerou para um painel à parte.
É importante ser mais uma mulher da ciência a recebê-lo?
É extremamente importante. Fiquei duplamente contente por o prémio ter sido dado na área da ciência, porque mostra a importância que a ciência tem - aliás, a pandemia também nos veio mostrar isso, porque só com investimento em ciência e trabalho em equipa a nível mundial se conseguiu fazer uma vacina num espaço de tempo tão curto - e, por outro lado, pelo facto de ser mulher. Ainda somos poucas, mas calha bem que tenha sido atribuído na semana em que celebrámos o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, para reforçar ainda mais que as mulheres devem ter as mesmas oportunidades que os homens, o que ainda não têm.
Costuma dizer que devemos "pensar grande, sempre". Nas paredes da sua faculdade tem escrito o poema de Pessoa "Para ser grande, sê inteiro: nada [...]". É a mensagem que quer passar às novas gerações?
Quero motivar as futuras gerações. Quero acima tudo que pensem sempre grande, que nunca desistam dos seus sonhos e que lutem por eles. Aliás, quando trabalhamos na área de que gostamos, o sucesso, à partida, está garantido, porque depende de nós, não totalmente mas em grande parte sim.
É um lema para os jovens investigadores em situação precária?
É, embora neste momento haja um esforço muito grande do governo na área do emprego científico. Aliás, nunca tivemos tantos investigadores em situação de alguma estabilidade como agora, mas a ciência é dinâmica, as equipas rodam, os cientistas entram e saem. Nunca podemos ficar com todos os alunos de doutoramento que se formam nos nossos laboratórios, eles têm de ser os nossos embaixadores junto das empresas e contribuir para a economia nacional e europeia.
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
É este o poema de Fernando Pessoa que cita para melhor exemplificar o espírito que a move na ciência e à sua equipa. Aliás, e como o afirmou, é o poema que está escrito nas paredes de um dos corredores da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa, na Costa de Caparica, para que todos os que por ali passam possam beber, interiorizar, também esse espírito, para que todos os que por ali passam possam ser inspirados e motivados a pensar "grande", diz. Pede mesmo: "Temos de pensar grande, sempre."
Este deve ser o espírito da ciência, dos jovens investigadores, das futuras gerações e da sociedade. O pensar grande leva-nos aos sonhos, como diz, "a olhar sempre para os obstáculos como desafios" e a não aceitar a palavra impossível, que não existe no seu vocabulário ou no seu laboratório. "Tudo é possível até ser feito", argumenta.
É assim Elvira Fortunado, 56 anos, cientista, investigadora e professora catedrática, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, ontem galardoada com o Prémio Pessoa 2020, pelo seu trabalho pioneiro na área da investigação e da tecnologia.
Ao anunciar o novo nome do Prémio Pessoa, Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri, justifica: "A ciência e a inovação são sinónimos de Elvira Fortunato." Sublinhando: "A ideia de usar o papel como material eletrónico abriu portas, em 2016, para futuras aplicações em produtos farmacêuticos, embalagens inteligentes ou microchips recicláveis, ou até páginas de jornal ou revistas com imagens em movimento."
Ao telefone, e quando soube da atribuição do prémio, instituído pela primeira vez em 1987 pelo jornal Expresso e patrocinado pela Caixa Geral de Depósitos para distinguir pessoas de nacionalidade portuguesa na vida científica, artística ou literária, a cientista disse estar "um pouco emocionada". Apesar de não ser o primeiro prémio que recebe na sua carreira, tendo mesmo afirmado recentemente numa entrevista que já perdeu a conta aos que recebeu, confessou que tal distinção é "um orgulho imenso" pelo reconhecimento que representa para a ciência e para a sua equipa. "Pelo trabalho que desenvolvem há muitos anos, não é um trabalho de ontem. É dignificante. Fico muito contente."
Destaquedestaque"É um orgulho imenso", pelo reconhecimento que representa para a ciência e para a sua equipa. "É dignificante. Fico muito contente."
Ao coro das vozes científicas que já a congratularam por mais uma distinção juntaram-se a do Presidente da República e a do primeiro-ministro. Numa nota no site oficial da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa refere que o Prémio Pessoa 2020 atribuído à professora Elvira Fortunato é "um reconhecimento merecido pela importância do seu trabalho na área da eletrónica flexível, com grande impacto na indústria mundial, e que demonstra uma preocupação ambiental pelo uso de materiais ecossustentáveis, recicláveis e de baixo custo". Já António Costa deixou uma mensagem no Twitter a sublinhar que se trata de "mais um reconhecimento do seu trabalho inovador em investigação de tecnologias sustentáveis e da sua notável capacidade empreendedora".
Elvira Fortunato, nascida em Almada, a 22 de julho de 1964, cedo elegeu a Engenharia dos Materiais como a sua área de eleição. Foi esta que escolheu para formação-base ao licenciar-se com distinção na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, onde hoje é professora e líder de um dos laboratórios. Ali fez também o doutoramento, nas áreas de Microeletrónica e Optoeletrónica, orientado por Rodrigo Martins, em 1995, que antes foi seu professor e depois marido.
A cientista é hoje reconhecida mundialmente como pioneira na eletrónica de papel, nomeadamente em transístores, memórias, baterias, ecrãs, antenas e células solares. É a quinta mulher a receber o Prémio Pessoa e a investigadora que o mundo apelidou como a "mãe" do transístor de papel. É ainda, e desde 2017, vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa e líder de uma equipa de investigação do Centro de Investigação de Materiais (Cenimat).
O dia de ontem foi marcado pelos parabéns de tantos, pelos telefonemas, mas também pelos agradecimentos da própria. A cientista agradeceu ao júri que a distinguiu, à família, que sempre a apoiou no seu trabalho e, como não podia deixar de ser, à sua equipa. Uma equipa que diz "trabalhar sempre com garra e sempre com a expectativa de que melhores dias virão", uma equipa que não desiste, resiliente, que tudo tem dado numa área que hoje está provado que é de excelência.
O anúncio do prémio do ano de 2020 foi feito pelo presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão - um anúncio adiado desde o início de dezembro, como é habitual, devido à pandemia -, sendo o restante júri composto por Emídio Rui Vilar (vice-presidente), Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques.
O nome de Elvira Fortunato, que em 2010 já tinha sido distinguida com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, junta-se assim ao de outras mulheres da ciência que receberam o mesmo prémio, como Maria do Carmo Fonseca e Maria Manuel Mota.
Na SIC, e sobre o tempo pandémico que vivemos, a cientista deixou uma mensagem: "A pandemia tem uma toda uma parte negativa, mas tem também uma parte positiva. Veio ensinar-nos a ser resilientes e a preparar-nos para outras crises."
Prémio Europeu para Invisible
Em setembro de 202, Elvira Fortunato é galardoada com o Prémio Horizon Impact Award 2020 atribuído pela Comissão Europeia com o projeto de investigação Invisible, o único projeto português entre os dez finalistas. O projeto permitiu desenvolver o primeiro ecrã produzido com materiais sustentáveis, que hoje é já comercializado por diversas empresas. Trata-se de uma nova área tecnológica ao serviço de diferentes indústrias, como a impressão a jato de tinta ou os diagnósticos médicos inteligentes. Invisible foi desenvolvido no Centro de Investigação de Materiais (Cenimat), da FCT Nova, em parceria com a Samsung.
Mais de 500 publicações
No seu currículo integra mais de 500 publicações científicas, mais de 18 prémios e distinções internacionais nos últimos 10 anos. Em 2009, foi distinguida pelo IDTechEx USA pelo transístor de papel; em 2011 com o Prémio Prémio Europeu de Inovação da Mulher, na Finlândia; em 2016 com a Medalha Blaise Pascal da Academia Europeia de Ciências. E, desde novembro de 2016, integra o Grupo de Alto Nível para o Mecanismo de Aconselhamento Científico da Comissão Europeia.
A quinta mulher no Prémio Pessoa
O Prémio Pessoa, no valor de 60 mil euros, foi instituído pela primeira vez em 1987 pelo jornal Expresso e patrocinado pela Caixa Geral de Depósitos. Entre as 33 atribuições, cinco foram dadas a mulheres, nomeadamente a Maria João Pires, Irene Fulnser Pimentel, Maria do Carmo Fonseca, Maria Manuel Mota e, agora, a Elvira Fortunato.