Elogio do espaço e do tempo

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Não sei se, ao realizar o seu filme Quarto, Lenny Abrahamson pensou na obra-prima de Robert Bresson, Fugiu Um Condenado à Morte (1956), sobre um resistente francês numa prisão nazi. Em qualquer caso, apetece dizer que há qualquer coisa de bressoniano no trabalho de Abrahamson: o reduzido espaço onde Jo e Jack estão retidos apresenta-se como um cenário que importa não descrever de um ponto de vista exterior, mas sim habitar a partir do interior, em estreita cumplicidade com as limitações impostas ao olhar das personagens.

Nestes tempos em que, muitas vezes, os efeitos digitais parecem querer convencer-nos que o espaço não passa de um fator anódino e intermutável, Quarto devolve-nos a intensidade única do cinema como arte de colocar em cena as tensões entre corpos e cenários. A noção de espaço que a mãe ensina ao filho acaba por evoluir também no sentido de desvendar a duração dos gestos e comportamentos humanos. Afinal de contas, lá fora, nesse lá fora que Jack vai aprender que existe, será possível viver com outros ritmos e rituais, bem diferentes dos que decorrem da sua clausura. Porquê? Porque a expansão do espaço liberta também a pluralidade do tempo.

Não há nada de mais radical em cinema. A saber: regressar às noções mais clássicas - o espaço, o tempo - e mostrar como nenhuma delas é um dado adquirido, antes o resultado de um laborioso olhar sobre o mundo e as suas aparências, as relações humanas e os seus enigmas. Além do mais, devolvendo aos atores a dignidade que alguns formatos televisivos lhes querem roubar. E se Brie Larson é genial, convém não esquecer o pequeno e assombroso Jacob Tremblay - como se prova, é possível filmar uma criança, não como uma marioneta mais ou menos pitoresca, mas sim um ser vivo, singular e comovente.

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