ELOGIO DA MULHER QUASE BONITA
Deixemos por agora a política, o PSD, o preço dos combustíveis, as penhoras, o subprime, o primeiro-ministro, o segundo-ministro. Eu hoje quero escrever sobre um assunto que desde sempre me interpela. Temos alturas dessas: os "nossos" assuntos vêm ter connosco e não podemos resistir. Os nossos assuntos tornam-se mais importantes do que o País. O que eu quero fazer neste momento é um elogio da mulher quase bonita. Repito em itálico de modo a que se perceba: quase bonita.
Sempre gostei, talvez por feitio, das pessoas que estão quase. O grupo dos que estão quase não é igual ao grupo dos que já estão. Quem já está não tem muito interesse. Acabou. Fez o que devia. Ocupou o seu lugar. Pelo contrário, aqueles que estão quase são mais estimulantes: ainda não estão mas, uma vez que estão quase, vivem em permanência na esperança de um dia vir a estar. Não brinco. Estar quase é sinal de que se anda a tentar para estar, o que mostra mérito e vontade. Fez-se o caminho quase todo. Estar quase é o mesmo que estar perto: quando estamos perto esforçamo-nos mais um bocadinho para chegarmos aonde precisamos de ir. É como aquelas mães que dizem aos filhos: "Só mais um pouco que estás a acabar." É como aqueles treinadores que gritam aos discípulos: "Força que estás no fim." Todos nós já tivemos a sensação de estar quase. Não há expressão mais repetida pelos portugueses do que: "Estou quase lá." Às vezes aparece duas vezes: "Estou quase, quase lá." Ou então no passado: "Estive quase."
Há um tipo de mulher que anda por aí nas avenidas, vejo-a agora do sítio onde escrevo, que é assim mesmo: quase bonita. Está tão perto de ser bonita que nos confunde. A beleza tem muitas formas. Há uma beleza tirânica e autoconsciente que eu tento evitar. A mulher que sabe que é bonita é uma mulher que já chegou, é uma mulher engravatada que já faz parte do "sistema", que aderiu ao "centrão". Não lhe sobram dúvidas nem inquietações. Ora, eu acredito que o ser humano deve fugir da confiança excessiva para não se transformar num mísero deslumbrado. Deve desconfiar de si mesmo, do que é, do que quer ser. A mulher demasiado segura da sua beleza não possui esta hesitação, este entendimento paradoxal com o mundo. Toda a mulher conscientemente, arrogantemente bonita não precisa do mundo para nada. Basta-se a si própria, enquanto passeia nas avenidas recebendo falsos juramentos e falsas venerações.
Eu só acredito, por isso, na mulher quase bonita. Acredito que o nosso consolo só pode vir da mulher que está quase, que vai um dia estar mas ainda não sabe, que vive na secreta ilusão de vir a ser. A mulher quase bonita merece a nossa crescente, indisputável admiração. Hoje eu tinha de escrever isto.