Elisabete Jacinto conseguiu o que "mais nenhum português fez"
Elisabete Jacinto venceu pela primeira vez o África Eco Race. Depois dos dois segundos lugares consecutivos em 2011 e 2012, à terceira foi de vez para a piloto portuguesa, que levou finalmente o MAN TGS com o navegador José Marques e o mecânico Marco Cochinho ao primeiro lugar do pódio. E não podia estar mais feliz. "Sinto-me muito bem, a sensação é muito boa, é uma sensação de dever cumprido, de sonho realizado, no fundo de justiça por aquilo que fiz e trabalhei durante vários anos. Foi para isto que eu trabalhei durante 16 anos", atirou a piloto eufórica, em conversa com o DN, depois de completar a última etapa, a da consagração, no Lago Rosa em Dakar, no Senegal.
Nunca foi mulher de meias palavras e nunca se pôs em bicos de pés por isso diz que não tem problema algum em dizer que "há anos que sentia que tinha condições para vencer uma prova deste nível". Mas nem sempre as coisas lhe corriam de feição. Até este ano: "O gozo desta corrida foi maior, ganhar a camiões com orçamentos que são o dobro do meu ou mais, com equipa de apoio gigantescas."
Desde 2003, quando trocou a moto pelo camião que se foi preparando para este momento de glória. Aprendeu com "os erros" como ser melhor no ano a seguir. "Nos primeiros tempos era uma anedota, andava de noite e de dia, arrastava-me pelo deserto fora... Para ter uma ideia eu ia para o deserto com os pneus demasiados cheios e não sabia. Fui vendo como o camião reagia, fui aprendendo e ganhando experiência e comecei a perceber que a minha condução melhorava ao mesmo tempo que melhorava coisas no camião. Investi numa boa equipa de apoio, melhorei a minha estrutura e o progresso notou-se logo. Eu e o camião crescemos juntos."
Elisabete confessou ao DN em 2018 que temia que nunca a vissem como piloto e se referissem a ela como a "mulher do camião". Será que este triunfo vai mudar mentalidades? "Não sei. A sociedade educa-nos de uma certa maneira e haverá muita gente que vai dizer que se calhar não estava lá ninguém de jeito a correr, que os bons estão no Dakar ou que corri sozinha. Estou habituada, mas isso não quer dizer que não lute para que as coisas mudem. Com este triunfo dei mais um passo e resta-me esperar que as mãezinhas deste país deêm uma boa educação aos filhos, uma educação baseada na igualdade", respondeu a piloto.
Em termos práticos o triunfo no África Eco Race pode não significar nada... ou quase nada: "O país é pequeno, o mercado é pequeno e a mentalidade em termos desportivos também é pequena. Pode-me dar mais fãs e visibilidade, mas falta saber se me abre algumas portas que se têm fechado. Há anos que bato às portas para encontrar patrocínios e há sempre uma boa desculpa para dizer que não..."
Agora, confessa que só quer descansar, mas depois disso há que pensar e fazer um balanço. Pode até ser a altura de abandonar. "Cheguei onde queria chegar, adoro isto, andar aqui a guerrear com os homens e a chateá-los por chegar à frente dele, mas estou cansada de andar a comer pó só para mostrar que sou boa piloto. Agora vou descansar e depois vou parar para pensar", admitiu Elisabete feliz por fazer "aquilo que mais nenhum português fez neste tipo de provas".
"Foi um dia histórico para o desporto motorizado internacional pois é a primeira vez que uma mulher vence uma longa maratona de todo-o-terreno ao volante de um camião. A alemã Jutta Kleinshmidt foi pioneira entre os automóveis, ao vencer em 2001 o Paris Dakar aos comandos de um Mitsubishi. Agora Elisabete Jacinto torna-se percursora nos camiões", destacou em comunicado a assessoria de imprensa da piloto.
A África Eco Race é a maior maratona de todo-o-terreno do continente africano e realiza-se sempre em janeiro. A caravana atravessa Marrocos, Mauritânia e Senegal, finalizando o rali no Lago Rosa, em Dacar, numa prova com mais de cem participantes. A ideia dos organizadores era criar uma prova onde o espírito do Rali Dakar, após o cancelamento da edição de 2008, se mantivesse vivo. E foi isso que seduziu Elisabete Jacint, que falhou o primeiro African Race para "experimentar o rali América Latina", como chama ao Rali Dakar, aliciada pelo prestígio da prova e pela "curiosidade" de ver como seria o rali fora de África: "Fiquei desanimada e desiludida com o rali que encontrei, não era nada como o Dakar africano, que eu adorava, era uma grande corrida, mas não era para aquilo que eu tinha batalhado tanto. Achei que não valia a pena e optei pelo African Race."
Natural de Lisboa, a professora de geografia, autora de vários manuais escolares, com 54 anos, tem no seu historial vários triunfos entre os T4 (camiões) nas mais diversas provas africanas (Rali de Marrocos e Rali da Tunísia), mas nesta longa maratona de todo-o-terreno, uma das maiores da atualidade, a melhor classificação tinha sido até agora o segundo lugar da classe que alcançou em dois anos consecutivos, 2011 e 2012.