Eliminar ou mitigar? Eis a questão estratégica para derrotar a pandemia
"A essência da estratégia é escolher o que não fazer"
Michael Poter, Harvard Business School
Decorrido cerca de ano e meio desde a declaração da pandemia assistimos hoje a uma multiplicidade de intervenções públicas, legítimas que são no âmbito de um debate que se quer construtivo, sobre o que fazer e não fazer, como fazer ou como não fazer e, sobretudo, a quem fazer e a quem não fazer: em suma, que estratégia adoptar para derrotar a ameaça viral. No quadro actual de evolução da pandemia só nos parece possível optar por uma de duas estratégias de combate: eliminação ou mitigação dos seus efeitos. Para alguns, escassos, haverá ainda uma terceira e obtusa opção que consiste em negar a existência deste flagelo e actuar como se o mesmo não existisse. Todavia, o conhecimento científico acumulado, o esforço até ora feito para minimizar o seu impacto e o respeito pelas incontáveis vítimas, individuais e colectivas, a par de sentido de responsabilidade, cidadania e lucidez, não permitem que esta opção possa ser equacionada com seriedade.
Bem sabemos que a estratégia eleita terá pontos fortes e fracos, mas pior é a ausência de estratégia. Sem plano, táctica e planeamento claros e coerentes a optimização e a coordenação de recursos revelar-se-á inexoravelmente inviável e incapaz de motivar a adesão da população.
Assenta esta estratégia na vacinação em massa da população, só possível em grandes centros a tal dedicados, dotados de espaço para o requerido período de vigilância assistida por pessoal médico e assegurando a inexistência de desperdício de vacinas em resultado da curta validade dos frascos multidose - visto não haver embalagens individuais ou unidose de vacinas. Em Portugal, a vacinação em massa tem sido acompanhada de táctica exemplarmente delineada e executada pela task force da vacinação com um crescendo semanal de resultados à vista de todos. Procura-se vacinar o número mais alargado de pessoas, almejando suprimir a ocorrência de cadeias de transmissão de SARS-CoV-2, possibilitar a eficaz salvaguarda das comunidades, em especial dos mais vulneráveis ("eu protejo os teus, tu proteges os meus") e a abertura progressiva da economia.
E a verdade é que enquanto não estivermos quase todos vacinados e consequentemente protegidos, embora nunca a 100%, só podemos e devemos tolerar um número mínimo de infecções na população - pelo risco ainda existente de doença grave, de sequelas a longo prazo, de pressão no SNS com diminuição da resposta à assistência aos doentes não-covid e finalmente considerando que dessa matéria de facto surge um indicador de avaliação a nível internacional. Daí a importância de mantermos, em sede de táctica, o uso da máscara facial, a higiene das mãos, o distanciamento de segurança e a utilização do Certificado Digital Covid para aceder a espaços ou eventos com a segurança que possibilita a abertura desses espaços ou a realização desses eventos. Nunca o todo dependeu tanto dos cuidados e da segurança de cada um!
A estratégia de mitigação procura minimizar ou atenuar os efeitos da pandemia e tolera que grupos populacionais, habitualmente mais jovens e sem factores de risco, possam infectar-se naturalmente com o pressuposto de que na generalidade das situações a evolução é benigna. Exemplo flagrante decorre da proclamação feita a 19 de Julho no Reino Unido (RU) de que as restrições para a covid-19 haviam chegado ao seu termo, nomeadamente a obrigatoriedade do uso de máscara, as limitações de horários e o encerramento dos espaços nocturnos. Com efeito, tal deliberação enquadra-se numa estratégia de mitigação alicerçada na premissa de que quase 55% da população apresenta esquema vacinal completo, incluindo a generalidade da população com mais de 50 anos ou com factores de risco para doença grave. Curiosamente, procurou-se estabelecer um paralelismo entre o dia 19 de Julho ou Freedom Day (Dia da Liberdade) e o dia 8 de Maio de 1945 ou Victory in Europe Day (que assinalou o fim vitorioso da IIGuerra Mundial na Europa).
Contudo, como era expectável, muitas vozes levantaram-se contra esta opção relembrando o risco de doença grave e de sequelas a longo prazo nos milhões de indivíduos não vacinados, incluindo jovens e adolescentes, para os quais já estão aprovadas vacinas pelas principais agências do medicamento de União Europeia, Estados Unidos da América e Canadá e sem esquecer o consequente impacto no presente da doença aguda dos infectados nas estruturas de saúde sem folga que têm para recuperar os atrasos assistenciais dos doentes não-covid e com profissionais exaustos, nem o impacto futuro social, económico e individual de sequelas ainda mal conhecidas numa população em idade tão jovem. Mais de um milhar de cientistas, professores universitários, investigadores, clínicos e outros profissionais de saúde alertaram para o risco desta opção do RU num manifesto publicado online a 7 de Julho de 2021 na revista médica The Lancet e com o sugestivo título: "Mass infection is not an option: we must do more to protect our young" (A infeção em massa não é uma opção: devemos fazer mais para proteger os nossos jovens). O tempo dirá quem tinha razão.
Entendeu-se, por fim, já o dizemos há algum tempo, que a pandemia declarou guerra ao mundo, daí advindo uma imperiosa necessidade de planeamento, gestão e logística, assente numa estratégia global que não dispensa o pilar crítico da comunicação. Há cerca de 2500 anos já o general e estratega Sun Tzu ensinava que "estratégia sem tácticas é o caminho mais lento para a vitória. Tácticas sem estratégia é o ruído antes da derrota" (A Arte da Guerra). Se a vitória da pandemia não é uma opção, saibamos escolher a estratégia que melhores resultados garante, sem hesitação´, tréguas ou hiatos e sim com sustentabilidade, firmeza e resiliência!
Filipe Froes é pneumologista, consultor da DGS, coordenador do Gabinete de Crise Covid-19 da Ordem dos Médicos e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública.
Patricia Akester é fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual/Intellectual Property Office (GPI/IPO) e Associate, CIPIL, University of Cambridge.
Os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia