Elevador, frigorifico e automóvel

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"Nos últimos 150 anos três inovações tecnológicas revolucionaram as cidades: o elevador, o automóvel e o frigorífico. O primeiro permitiu o crescimento em altura e a densificação (...). O segundo atenuou as distâncias, assegurou a liberdade de movimento, acelerou a vida urbana e alastrou a cidade (...). O terceiro trouxe autonomia às famílias (...) menos dependentes da aquisição diária de alimentos (...). A conjugação do automóvel com o frigorífico permitiu o abastecimento mensal (...) grandes superfícies isoladas nas periferias urbanas, rodeadas de grandes parques de estacionamento. Esta metamorfose alterou costumes, hábitos e relações sociais." (Manuel Salgado, in "Lisboa, o desenho da rua: Manual de Espaço Público" - Edição CML).

Avanços tecnológicos sempre influenciaram o desenvolvimento de cidades ao longo da nossa história comum. Muito mais do que aquelas, e ao longo de séculos e milénios. Mas essas foram decisivas para chegarmos onde chegámos e para se atingir um ponto de profunda reflexão e obrigatória viragem.

Hoje, a maior parte dos seres humanos vive em cidades, e estas são as grandes criadoras do PIB global; numa economia assente em combustíveis fósseis, são por isso responsáveis por cerca de 75% das emissões globais de carbono e entre 60 e 80% do consumo de energia (ONU). Estes dados significam que, para atingirmos os objetivos de neutralidade carbónica, o principal esforço de transformação tem de ser efetuado no modo como produzimos, consumimos e transportamos pessoas e bens nas cidades. Para onde vamos a partir daqui? A resposta há de ser dada pela tecnologia e pelo investimento nessa transformação.

Sendo gigantesco o desafio, pego hoje numa das pontas: a transição energética na área da mobilidade - quer das pessoas que se deslocam nas áreas metropolitanas, quer das mercadorias que estas pessoas consomem. Isto exigirá uma aposta grande em novos modos de motorização, que consumam energias não poluentes - desde logo eletricidade renovável. A Comissão Europeia, por exemplo, quer que todos os carros novos tenham zero emissões de CO2 em 2035. Ainda estamos longe, mas estamos a caminho: em 2021, 1 em cada 11 veículos vendidos em Portugal já são 100% elétricos. Isto implica aumentar a produção de eletricidade renovável para satisfazer toda essa nova procura; e reforçar massivamente a rede de carregadores.

E depois há que tomar opções difíceis. Os veículos elétricos consomem muito mais recursos minerais que os atuais, designadamente lítio. Precisamos para isto de explorar muito mais esses recursos, o que tem impactes ambientais que conflituam com a necessidade de descarbonização. Mas há mais do que a mobilidade elétrica: haverá que acomodar transporte público; bicicletas; trotinetes; tuc-tucs; e, claro, a mobilidade pedestre! As ruas das cidades do futuro não serão para automóveis.

Por isso, este balanceamento entre o individual e o coletivo acarreta ainda uma grande transformação urbana. E uma nova metamorfose que altere costumes, hábitos e relações sociais. Cidades inteligentes não são aquelas assentes na tecnologia. A tecnologia está ao serviço do planeamento, não o dispensa ou substitui.

CEO/AHP

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