Eles engravidam e elas lutam para escolher o melhor macho
Um investigador do Porto coordenou uma equipa internacional que descreveu o sistema reprodutivo de uma espécie de peixe cujos machos engravidam e a escolha do par é feita através de uma competição entre as fêmeas.
O que se verificou na espécie Nerophis Lumbriciformis, um pequeno peixe próximo dos cavalos-marinhos, é um sistema reprodutivo "muito raro", o "primeiro caso de acasalamento extremo em ambiente marinho", disse à Lusa o investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), Nuno Monteiro.
Um sistema de acasalamento extremo denomina-se 'lek' (deriva da palavra sueca leka, que significa brincar), no qual os machos reúnem-se em grupo e exibem os seus carateres sexuais secundários (cores garridas, penas garbosas e ornamentação exuberante, por exemplo) às fêmeas, que, por sua vez, escolhem o progenitor da sua descendência.
Este modo de reprodução gera "enormes pressões sobre os machos, pois apenas os mais atrativos serão capazes de assegurar a escolha pelas fêmeas", indicou o investigador, acrescentando que este sistema de acasalamento encerra um dos "mais desafiantes enigmas da biologia moderna" - o 'paradoxo do lek'.
"Face à forte seleção imposta pelas marcadas preferências do sexo que escolhe, a variação genética entre indivíduos que competem deveria desaparecer rapidamente, eliminando qualquer vantagem para a descendência. Por outras palavras, na ausência de benefícios diretos para quem escolhe, o processo de seleção sexual deveria resultar na sua própria implosão", explicou.
Nesta investigação, a equipa descobriu um "raríssimo lek invertido", onde "as fêmeas migram para arenas de reprodução, que ocupam por períodos extensos, e são visitadas por machos que selecionam as mais vistosas, abandonando depois o local até completarem a gravidez".
As fêmeas "visitam os leks (como se fossem a um supermercado), escolhem os machos mais vistosos, são fecundadas e abandonam o local. Com a exceção dos espermatozoides, as fêmeas não recebe mais nada dos machos (alimento, proteção, território)".
De acordo com Nuno Monteiro, neste lek invertido, o primeiro a ser descrito no mar, em que a dinâmica entre os sexos é distinta daquela que ocorre nos leks convencionais, devido à inversão dos papéis, o paradoxo do lek não se aplica.
Como os papéis estão trocados, "é mais simples encontrar benefícios diretos da escolha dos machos", que não procuram apenas um conjunto de genes favoráveis para a sua descendência, o que poderia implicar a redução da diversidade genética.
"Estando os ornamentos das fêmeas dependentes da sua condição, os machos, ao escolherem as parceiras mais exuberantes naquela altura específica, estão a selecionar mais e melhores ovos", indicou, explicando que as que têm "maior sucesso reprodutivo hoje, porque exibem os ornamentos mais desenvolvidos, serão preteridas por outras amanhã, se perderem essa condição".
Porque "as questões não se esgotam", os investigadores estão agora a tentar estabelecer uma ligação entre as alterações climáticas e a intensidade da seleção sexual, utilizando a mesma espécie de marinha como modelo experimental, e pretendem circunscrever registos de seleção ao longo dos genomas.
"Curiosamente, já encontramos padrões inesperados na relação entre a intensidade de seleção sexual e a temperatura capazes de fornecer dados importantes sobre o que esperar do contínuo processo de aquecimento global a que estamos a assistir", concluiu Nuno Monteiro.
O projeto "Sex at the edge - how temperature influences sexual selection" (Sexo na borda - como a temperatura influencia a seleção sexual), foi financiado pela Fundação para a Ciência e para a Tecnologia (FCT) e publicado recentemente na revista científica Molecular Ecology.