Eles acabaram a carreira e disseram adeus ao futebol
Acabaram a carreira e disseram adeus ao futebol. Foi assim com Rui Jordão, uma das maiores referências do futebol português e do Sporting, que nem sequer fala da modalidade com os amigos. Optou por manter-se afastado e dedicou-se à pintura. Na base deste afastamento estará, segundo pessoa próxima do ex-avançado, "uma profunda mágoa" por nunca ter sido tratado como achava que merecia por clubes e instituições. Os anos foram passando e o ex-leão foi-se isolando cada vez mais na sua forma de pensar. Hoje, jornalistas nem vê-los.
Mas existem muitos outros casos de futebolistas que acabaram a carreira e decidiram não ficar ligados à modalidade. Uns mais conhecidos do que outros, como Miguel (ex-Benfica), Raul Meireles (ex-FC Porto), Bosingwa (ex- FC Porto), Ricardo Carvalho (ex-FC Porto), Carlos Martins (ex-Sporting), Polga (ex-Sporting), Albertino (ex-FC Porto), César Brito (ex-Benfica), Vermelhinho (ex-FC Porto) ou Laranjeira (ex-Sporting). Saíram dos relvados de forma discreta e quase todos preferiram a sombra depois de tantos anos de holofotes. Muitos foram contactados pelo DN mas não quiseram falar. Para eles, dizer adeus aos relvados é dizer adeus ao futebol, por opção ou não. Mas porquê e até quando?
Albertino, figura do Marítimo nos anos 1990, escolheu um futuro longe da bola. Hoje é um reputado osteopata com consultório em Perafita (Matosinhos). "Quando joguei na Académica frequentava o curso de Educação física, não o acabei, mas já nessa atura não perspetivava seguir no futebol. Sempre pensei em fazer algo paralelo, podia até ter alguma ligação com o futebol, mas não de forma direta. Depois um colega falou-me da osteopatia, uma coisa nova que estava a crescer, e que ia haver uma formação no Porto. Isto em 2004. Fui à internet pesquisar o que era, fiquei interessado e decidi ir à formação. Basicamente foi amor à primeira vista. Fiz a formação e desde 2008 é a minha profissão", contou ao DN o antigo médio do Marítimo.
No caso de Albertino, o afastamento veio acompanhado de alguma desilusão. "O futebol é uma arte bonita, mas o que gravita à sua volta é que não interessa muito", atirou, adiantando que se "vai é disfarçando com o sucesso e algumas vitórias". Não pretende dar lições de moral a ninguém, mas "não tinha feitio para pactuar com certas coisas que se passam no mundo do futebol".
E que coisas são essas? "Os negócios, a falta de caráter de algumas pessoas, a falta de palavra, basicamente o não haver princípios e valores em grande parte das pessoas. Eu perspetivava algo diferente para o futebol, mas infelizmente vivemos numa realidade em que o que hoje é verdade, amanhã é mentira e isso a faz-me muita confusão", disse, confessando que tem saudades "do lado bonito do futebol". Que é como quem diz, "da bola, do espetáculo, do estádio cheio, dos colegas, de algumas amizades que ficaram, das expectativas antes dos jogos, daquele stress bom antes de entrar em campo..."
Hoje vai aos estádios "de tempos a tempos" e nem a televisão o prende a ver a modalidade: "Não custou deixar o futebol porque já tinha uma perspetiva de futuro fora da modalidade. A grande dificuldade do jogador quando acaba a carreira é não ter perspetiva de futuro fora da bola e ser muitas vezes obrigado a optar pela vida de treinador. Eu não tinha vocação para isso."
No caso de José Soares, foi a falta de oportunidades a ditar um destino longe do futebol. Para o ex-jogador do Benfica, a melhor maneira de atenuar o "difícil" fim da carreira era continuar ligado à modalidade. Sonhava ser treinador, mas a única oportunidade surgiu através de um empresário espanhol para fazer negócios de transferências. Experimentou, mas não era aquilo que queria para a sua vida. "A minha ideia era ficar ligado ao futebol, mas as oportunidades não surgiram, o tempo foi passando e fui fazendo outras coisas. O futebol não é fácil e vejo alguns colegas que tiraram cursos e passam pelas mesmas dificuldades, isso ajuda a desistir do sonho, ou pelo menos a deixá-lo adormecer", confessou ao DN.
Experimentou fazer várias coisas, entre elas na área da exportação de vinhos. Ao mesmo tempo tinha um "hobby pago" como modelo: "Pensamos que vamos jogar futebol a vida toda e há uma altura em que não dá mais. A transição nunca é fácil, ainda mais para mim, um amante do futebol. Depois acaba e a vida continua, temos de fazer alguma coisa e não podemos ficar agarrados a uma ilusão só porque gostávamos muito."
Hoje, o antigo central do Benfica, além de continuar ligado à exportação de vinhos e ao ramo imobiliário, trabalha como personal trainer e continua a ser modelo quando há trabalho. Mas não está de forma alguma desiludido com o futebol. "Nunca iria ficar desiludido com o futebol, fico desiludido com algumas pessoas que andam no futebol e o estragam. Há situações que não gostei de viver, conviver com pessoas que fazem mal à modalidade, mas o futebol jogado só me deixou saudades. Jogar no Benfica deixou-me recordações bonitas e muitas histórias para contar. O futebol deu-me tudo. É a minha vida, é o que eu sei fazer", atirou o ex-Benfica, que se divide entre Lisboa e Elvas (Espanha).
José Soares continua a ir ver jogos ao Estádio da Luz, agradece ao presidente Luís Filipe Vieira a forma como trata os ex-jogadores e diz que, se tivesse alguma oportunidade para voltar à modalidade, "não pensava duas vezes".
Luís Filipe é hoje um empresário de sucesso. O antigo lateral foi o primeiro jogador a marcar no novo Estádio José Alvalade, foi campeão pelo Sporting e pelo Benfica, mas hoje produz framboesas. Foram elas as culpadas de um futuro longe da bola: "Acabei a carreira no Olhanense e a minha perspetiva era manter-me no Algarve, não queria mudar novamente a família, casa, cidade, escola. E entretanto acabou por surgir este negócio ainda eu jogava. Não foi porque não quisesse ficar ligado ao futebol, foi porque na altura a ideia era manter-me no Algarve e apareceu o negócio das framboesas. Foi juntar o útil ao agradável."
Mas não pensa ficar afastado do futebol para o resto da vida. "A minha perspetiva é um dia voltar. O futebol sempre fez parte da minha vida e é difícil deixá-lo de lado, jamais lhe virarei as costas. Não sou de bater às portas. Se as pessoas acharem que posso ser uma mais-valia e dar algum contributo a algum projeto, estarei disponível para ouvir", garantiu o ex-defesa. Mas a voltar não lhe parece que seja no cargo de treinador: "Acho que não teria perfil para isso. Não quer dizer que se um dia experimentar não mude de ideias, mas acredito que seria mais útil na retaguarda."
A passagem de uma profissão para outra foi pacífica. Luís Filipe já estava de tal maneira "embrenhado" na ideia do negócio das framboesas que a bola foi ficando de lado sem doer muito. "Assim que terminei de jogar tinha todo o tempo útil disponível para o novo projeto e acabei por meter-me a todos o gás neste negócio. A intensidade foi tanta que nem dei conta de que tinha jogado tantos anos futebol. Depois a ficha foi caindo e comecei a sentir falta, mas não de forma a ficar de cabeça perdida. O novo projeto deixou-me pouco tempo para pensar na falta que o futebol fazia", disse.
No caso de Luís Filipe, o afastamento foi uma opção, mas acredita que muitos colegas não tenham outra opção: "Deviam aproveitar mais os ex-jogadores no pós-carreira. Daí alguns ficarem desiludidos depois de arrumarem as botas e de terem feito tanto pela modalidade. Um jogador depois de deixar os relvados ainda tem muito para dar ao futebol, porque viveu muitos anos no balneário e é um erro os clubes não aproveitarem esse know-how. Não foi o meu caso, mas acredito que seja assim com muitos. Que exista algum tipo de ressentimento."