Eleita à primeira, Metsola é a terceira mulher a presidir ao Parlamento Europeu
A maltesa Roberta Metsola, do Grupo do Partido Popular Europeu, foi eleita presidente do Parlamento Europeu à primeira votação, com 458 votos. Será a terceira mulher, depois das francesas Simone Veil (1979-1982) e Nicole Fontaine (1999-2002), a presidir ao hemiciclo europeu e a primeira maltesa num cargo de topo da União Europeia.
Metsola, que faz esta terça-feira 43 anos (é também a mais jovem a assumir a presidência), concorria contra a sueca Alice Kuhnke, do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, que teve 101 votos, e a espanhola Sira Rego, candidata do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, que teve 57 votos. No início da sessão desta manhã, o vice-presidente do Parlamento Europeu, o português Pedro Silva Pereira, que liderou os trabalhos, anunciou que o candidato do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, o polaco Kosma Złotowski, tinha retirado a sua candidatura. O seu grupo resolveu apoiar Metsola.
Dos 705 deputados, votaram 690, sendo que destes 74 foram votos brancos ou nulos. A maioria absoluta necessária para vencer à primeira volta era assim de 309 votos, com Metsola a ultrapassar esse número.
"Obrigada. Muito obrigado. Trabalharei arduamente para o bem dos cidadãos europeus", disse Metsola no início do seu discurso após a vitória, onde lembrou as grandes prioridades europeias e destacou a importância de voltar a ter uma mulher na presidência do Parlamento Europeu. "Há 22 anos, Nicole Fontaine foi eleita 20 anos depois de Simone Veil. Não vamos deixar passar mais duas décadas para que a próxima mulher seja presidente", defendeu, dizendo que está a seguir os passos de gigantes.
"A Europa está de volta", disse Metsola, no final do discurso, onde lembrou que a Europa precisa de proteger os valores da abertura e dos direitos humanos. Defendeu ainda que a Europa tem que resistir às pressões que ameaçam o espaço Schengen. "O mundo à nossa volta é menos seguro do que era há uma década", afirmou, mencionando a ameaça de invasão russa na Ucrânia ou a crise de migrantes na Bielorrússia.
Mencionou também no discurso o Chipre, dizendo que a Europa não pode ser verdadeiramente completa com um Chipre dividido, e enviou uma mensagem para as famílias dos jornalistas assassinados Daphne Caruana Galizia e Jan Kuciak: "A vossa luta pela justiça é também a nossa."
Metsola, num pequeno discurso antes de ser aberta a votação (que decorreu à distância por causa da covid-19), defendeu um Parlamento Europeu "mais moderno, mais eficaz e mais eficiente" e um presidente "construtor de consensos". E assumiu o compromisso de não ter medo das posições difíceis e de defender sempre a posição do Parlamento.
"Esta é uma casa de discussão e estou empenhada em defender a nossa cultura de debate. Os acordos vêm do debate, porque a tolerância quer dizer que temos que ter espaço para a diferença e a justiça que ouçamos a outra parte. Deixemos para trás as trincheiras do passado quando olhamos para o futuro", referiu. Vai liderar os destinos desta instituição na segunda metade deste mandato, até 2024.
Metsola, cuja posição antiaborto foi o principal motivo de crítica à sua candidatura, lembrou que enquanto mulher, de uma pequena ilha do Mediterrâneo, sabe o que é ser colocada numa caixa e posta de lado, reforçando que também sabe a importância do dia de hoje para todas as raparigas e todos os que se atrevem a sonhar.
A maltesa partia como a favorita, uma vez que tinha o apoio do Grupo do Partido Popular Europeu (o maior do hemiciclo), mas também dos liberais do Renew Europe e dos Socialistas e Democratas (S&D). Estes optaram por não apresentar uma candidatura própria e respeitar o acordo de 2019 que, na altura, levou à eleição do socialista italiano David Sassoli para presidente do Parlamento Europeu, da conservadora Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia e de Charles Michel (do Renew) como presidente do Conselho Europeu.
O acordo prevê ainda que o S&D fique com cinco das 14 vice-presidências, assim como a liderança da Conferência dos Presidentes das Comissões, uma posição chave que coordena as atividades das comissões e que tradicionalmente tem estado nas mãos do Partido Popular Europeu.
A primeira a discursar foi Alice Kuhnke, candidata do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia. A sueca que lembrou que tinha dez anos quando ouviu do outro lado do telefone alguém a dizer que não devia estar na Suécia, o seu país natal, e que a matava e à sua família (o pai é da Gâmbia) se não saíssem.
"O meu medo transformou-se em raiva, o que me levou para a ação política", contou. "Sou europeia. Aqueles que continuam a dizer que não pertenço a este lugar estão enganados", indicou, dizendo querer mostrar a todas as raparigas de dez anos a quem dizem que não pertencem onde estão que o Parlamento Europeu também é a sua casa.
Kuhnke lembrou as palavras que estão escritas no final de todas as resoluções europeias: "Unidos na diversidade", dizendo que se fosse eleita iria trabalhar "em prol de um Parlamento Europeu onde a diversidade seja uma vantagem, não uma desvantagem".
Numa referência ao grande obstáculo ao apoio a Roberta Metsola, que é a sua posição antiaborto, Kuhnke disse que as regras da democracia não são negociáveis. "Quando os governos dizem aos seus cidadãos que não têm o direito a decidir sobre os seus próprios corpos, nós temos que os defender", afirmou, dizendo querer honrar o legado de Simone Veil, que além de ter sido a primeira mulher presidente do Parlamento Europeu foi a responsável pela legalização do aborto em França.
Também a espanhola Sira Rego, candidata do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, referiu o direito ao aborto no seu discurso. "Este parlamento deve defender os direitos das mulheres. Nem um passo atrás no nosso direito sobre decidir sobre os nossos corpos, nem um passo atrás no direito ao aborto", afirmou.
O seu discurso ficou também marcado pela crítica à extrema-direita, "que só traz ódio, medo e violência", considerando que este é um processo de uma minoria que quer esmagar a maioria que está por baixo para continuar a estar no topo. E acusou a direita de estar a "abrir as portas" à extrema-direita.
A eurodeputada falou do sucesso da série espanhola "Casa de Papel", que voltou a colocar o hino antifascista "Bella Ciao" nas bocas do mundo, para citar um dos seus responsáveis que disse esperar que não se chegue um dia em que seja perigoso cantar um hino antifascista. "Não podemos perder esta Europa", referiu, pedindo para se construir uma Europa "mais democrática, mais justa e mais fraterna e absolutamente antifascista".
susana.f.salvador@dn.pt