Eleições regionais são armadilha para oposição a Maduro
As eleições regionais de 10 de dezembro na Venezuela, cuja realização a oposição reclama há meses, são agora uma armadilha para os opositores ao presidente Nicolás Maduro. A Mesa de Unidade Democrática (MUD) surge dividida entre participar e assim legitimar o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), debaixo de fogo pelas denúncias de alegada manipulação na eleição da Assembleia Constituinte, ou boicotar o voto e entregar ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) todo o poder regional. O prazo para a inscrição de candidatos abre hoje e termina na sexta-feira.
"A Ação Democrática vai participar nas regionais, nas eleições para presidentes da câmara e presidenciais. Nós não temos balas, o que teremos são votos", disse o líder deste partido, Henry Ramos Allup, confirmando a intenção de não ficar de fora. "É a oportunidade para enfrentar o governo onde somos maioria e isso é com os votos", indicou a deputada Laidy Gómez.
Mas nem todos concordam. A primeira a recusar participar foi a coordenador nacional do movimento Vente Venezuela, María Corina Machado. "Se se inscrevem para as eleições regionais, ficarão sozinhos", afirmou, defendendo que a luta deve centrar-se na mudança de governo, já que essa é a única forma de recuperar a ordem democrática. "Ir a eleições sem uma mudança no CNE e condições eleitorais aceitáveis seria aprovar a fraude", disse o deputado Armando Armas, do Vontade Popular.
As regionais deviam ter-se realizado na segunda metade do ano passado, porque os quatro anos de mandato dos governadores acabavam em dezembro, mas foram adiadas pelo CNE. Este organismo que a oposição acusa de estar controlado pelo governo acabou por anunciar a data para a sua realização em maio, em plena convocatória também da Constituinte. As regionais são agora o último tema a gerar divisão na MUD - que no passado também divergiu em relação à melhor forma de continuar a luta. A coligação foi criada em 2008 para reunir todos os partidos que então faziam oposição a Hugo Chávez. Isso significa que inclui partidos que vão desde a direita ao centro esquerda, com diferentes visões de qual deve ser o futuro da Venezuela.
No seu programa semanal Los Domingos con Maduro , o presidente saudou os partidos da oposição que, disse, vão participar nas regionais: AD, Avançada Progressista, Um Novo Tempo, Primeiro Justiça e Vontade Popular. No domingo, depois da eleição para a Constituinte, Maduro tinha desafiado os opositores a participar: "Abandonem o caminho da violência, voltem à política, aceitem o desafio e vamos medir-nos nas regionais para ver quem consegue mais", indicou então.
A MUD tem três dos 23 governadores: o duas vezes candidato presidencial Henrique Capriles, do Primeiro Justiça, em Miranda; o índio Liborio Guarulla, do Movimento Progressista da Venezuela, no Amazonas desde 2001; e Henri Falcón, ex-PSUV e atualmente na Avançada Progressista, em Lara. Os dois primeiros estão inabilitados pela justiça, por alegados crimes administrativos, não podendo ocupar cargos públicos durante 15 anos.
Capriles defendeu que é preciso "lutar em todos os tabuleiros" contra Maduro. "Não o fazer foi o nosso erro no passado", indicou, não sendo claro se se referia à decisão da oposição de se retirar das eleições parlamentares de 2005, que deram a maioria aos partidos que apoiavam Chávez. A oposição também boicotou a eleição para a Constituinte, por considerar fraudulenta a sua convocatória. Mas Capriles acredita que se a oposição participar, então Maduro (através da Constituinte) vai arranjar maneira de adiar as eleições porque não as poderia ganhar. Pelo contrário, "se não participarmos, as eleições regionais vão em frente", afirmou.
O mesmo defendeu Luisa Ortega, a procuradora-geral a quem a Constituinte afastou do cargo. No encontro entre opositores e dissidentes do chavismo, no domingo, Ortega disse ver com muita preocupação as eleições regionais. "Se a oposição não participa, as eleições avançam. Se participa, não haverá. Cuidado com isso", afirmou.
Ontem, o ex-reitor do CNE Vicente Díaz (que participou na tentativa de diálogo entre governo e oposição liderado pelo ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero) recomendou à MUD a inscrição dos candidatos. Em declarações à Unión Radio, Díaz justificou a medida com duas razões: "Porque podem retirar as inscrições até ao último momento e porque, se não se inscreverem, e depois quiserem participar, não podem." E recomendou que se exija que as eleições decorram com as mesmas condições que as registadas antes da Constituinte - e que foram as mesmas que permitiram à oposição ganhar a maioria na Assembleia Nacional em 2015.