Elas conduzem, mas é o príncipe que põe o pé no acelerador
Vi o rei Salman em Riade em fevereiro e percebi porque confia tanto no príncipe herdeiro, o filho Mohammed bin Salman, a quem chamam de MbS e é o responsável por o reino ter voltado a ter cinemas e agora as mulheres poderem conduzir. O monarca tem 82 anos e, salta à vista, uma saúde frágil. Sucedeu em 2015 ao irmão Abdullah, que morreu com 90. E este tinha sucedido uma década antes a Fahd, que tinha 84. Uma sequência de líderes idosos num país de jovens (26 anos de idade média).
MbS tem 32 anos e poder como nunca outro jovem teve desde que o seu avô, Abdulaziz Ibn Saud, fundou em 1932 o país que leva o nome da dinastia. Além de príncipe herdeiro, é ministro da Defesa e preside ao comité de coordenação económica do reino, o que significa que tutela a petrolífera Aramco. De início, foi nomeado segundo na linha de sucessão ao pai, mas no verão do ano passado passou a primeiro, substituindo um primo que apesar de ser quase sexagenário já prometia uma renovação comparado com a tradicional sucessão de irmão para irmão.
Vi o rei Salman, mas não vi MbS. Mas não faltavam em Riade os cartazes com a foto do príncipe ao lado das do pai e do avô. E sempre a promover a Visão 2030, projeto de modernização que nasceu da necessidade de libertar o país da dependência do petróleo, mas cujo alcance vai além da economia. Veja-se a aposta na indústria do lazer e no turismo, que implica medidas como aceitar filmes americanos nas novas salas de cinema e a chegada de estrangeiros não muçulmanos um pouco a todo o reino com exceção, claro, de Meca e Medina. Veja-se também a necessidade de atrair mulheres para o mercado de trabalho, o que obriga a deixá-las conduzir e a aligeirar a separação entre sexos que o islão de matriz wahabita tem imposto.
O rei e MbS puseram o pé no acelerador talvez mais por necessidade do que por convicção, mas os primeiros resultados estão aí e a mudar o rosto do mais populoso país da Península Arábica (33 milhões, com um terço de mão-de-obra imigrante). Graças a um acordo com a Rússia de Vladimir Putin, a OPEP liderada pelos sauditas conseguiu reverter a queda do preço do petróleo, que há dois anos chegou a estar abaixo dos 30 dólares. Agora, as sanções americanas ao Irão e a debilidade da produção venezuelana puseram o barril acima dos 70 dólares, o que alimenta a ambição saudita de ver o preço nos 80, mesmo que Donald Trump peça cautela.
Se o maná petrolífero se concretizar, o plano de reformas terá uma bela almofada financeira. Permitirá modernizar seguindo o exemplo dos Emirados Árabes Unidos e sem juntar tensão social às críticas do clero. Mas o fluxo de dinheiro, e as armas vendidas pela América, poderá incentivar MbS a uma política externa com riscos, que levou já à intervenção no Iémen e ao bloqueio ao Qatar. Tudo em nome de uma estratégia de contenção do Irão, rival persa e xiita por oposição à Arábia Saudita, bastião sunita, ainda que na tal versão wahabita rigorosíssima que ajudou ao triunfo dos Saud mas que MbS tem de contrariar, como espera a juventude que tanta esperança deposita no príncipe.