A primeira e a única vez que Juan esteve no Vale dos Caídos foi há mais de 60 anos. "Devia ter uns 4 anos e nunca mais lá voltei", conta ao DN este reformado que, há quatro décadas, vive em San Lorenzo de El Escorial. Esta é a localidade mais próxima da basílica que o general Franco mandou construir para enterrar as vítimas nacionalistas e republicanas da guerra civil e onde o próprio ditador acabou por ficar enterrado.."Querer desenterrar Franco é remexer no passado. Vai trazer consequências graves. Para mim é indiferente. Sou filho de um capitão dos vermelhos porque era com quem o meu pai estava quando começou a guerra", conta Juan, declarando que apesar de não gostar de política vai votar no domingo. "Ainda não sei é em quem", confessa, em declarações ao DN..Juan toma conta da mulher, que está incapacitada a 80%, acompanha o desenvolvimento profissional dos quatro filhos. Começou a trabalhar aos 12 anos e já passou por muitos lugares, desde a Renault ao parque de campismo da zona. Vive em El Rosario, um bairro operário desta localidade madrilena de 18 mil habitantes, que ele define como "aldeia de fascistas"..Republicanos numa "aldeia de fascistas".San Lorenzo de El Escorial é uma das aldeias mais caras de Madrid, com um nível de vida alto, muito turismo. "Onde estão os operários e, mesmo ao lado, estão os que vivem em casas com mais de 20 quartos." Aqui teve casa Arias Navarro, que chegou a ser primeiro-ministro de Espanha, durante a ditadura franquista, mas também "muitos ministros socialistas". Há restaurantes famosos, como o El Charolés, onde costuma ir o rei..Quem é da zona conhece os lugares mais populares, "onde a cerveja é mais barata". Com frequência juntam-se, falam, trocam impressões... Teodoro, amigo de Juan, também não decidiu ainda em quem vai votar. Faz parte dos cerca de 30% de indecisos. Mas de uma coisa tem a certeza: "Sou conservador. Não vou votar nos partidos de esquerda." Teodoro está preocupado com a questão do emprego. "Aqui houve muita construção, mas agora os jovens não têm oportunidades, esse é o grande problema do país", explica ao DN, partilhando que também só esteve uma vez no Vale dos Caídos. E não se mostra interessado no futuro de Franco. "Antes mandassem embora ao rei", diz Teodoro, que preferia uma república em Espanha..A crise do bipartidarismo e a necessidade de mais partidos para conseguir formar um governo de maioria não o preocupa. Teodoro prefere que existam mais partidos políticos, pois "estão obrigados a entender-se, estão mais controlados e talvez, dessa forma, não roubem tanto". Desde que o governo socialista de Pedro Sánchez começou a falar da exumação de Franco "aumentaram muito as visitas à basílica", refere Teodoro, explicando: "E cobram 9 euros para entrar. Ao fim de semana forma-se uma fila enorme na estrada que também tem ligação com esta aldeia.".Da tranquilidade ao apoio ao Vox.Esta aldeia da serra de Guadarrama, situada a 50 quilómetros de Madrid, é conhecida popularmente como El Escorial de Arriba. Foi a forma que se arranjou de diferenciá-la do seu vizinho El Escorial, ou seja, El Escorial de Abajo. É município desde o século XIX, altura em que teve eleito o seu primeiro presidente da câmara municipal. Pertence a San Lorenzo de El Escorial o mosteiro mandado construir por Felipe II. Não muito longe, em Robledo de Chavela, fica um centro da NASA..Sónia nasceu nesta terra há 45 anos e não troca a sua tranquilidade pela confusão de Madrid. Atualmente está no desemprego e admite que arranjar trabalho não está fácil. Gosta da tranquilidade da aldeia. Mas nota que nos últimos meses houve mais movimento por causa da possível exumação de Franco. Tinha 5 anos quando visitou o templo. E questiona-se se deveria estar ali. Mas a mãe, conta, é partidária da remoção das ossadas de Franco. Sónia vai votar neste domingo, ainda não decidiu em quem, mas garante que "de certeza, de certeza" não vai dá-lo ao PP..Elena, de 68 anos, está na pré-reforma e há seis anos que veio viver para San Lorenzo de El Escorial. O que a preocupa realmente, diz, não são as ossadas de Franco, mas sim a unidade de Espanha. Não sabe se o problema da Catalunha tem solução. "Estamos sempre na mesma, não saímos desta situação, mas também não podemos ceder perante eles." Por isso compreende que um partido como o Vox, ultranacionalista, populista, de extrema-direita, esteja a triunfar. "Eles estão a defender a Espanha e isso é muito necessário", afirma Elena, que também considera a imigração um problema. "Chegam muitos, com crianças pequeninas, deve ser encontrada uma solução.".Os que roubam e a hipocrisia de Pablo Iglesias.Rosa abriu há um ano um pequeno café em San Lorenzo de El Escorial chamado Tan Ricamente. A partir daí ouve e observa como a possível exumação de Franco, marcada para 10 de junho, pode ter repercussões nesta terra. "Há muitas pessoas que estão mesmo indignadas com esta situação. Eu nasci depois da guerra civil, mas por aqui já passaram pessoas que quando tinham 15 anos estavam presas, tendo sido obrigadas a participar na construção da basílica.".A empresária considera que a história não se pode mudar e que se deve respeitar as famílias dos que estão lá enterrados. "Estão a gastar muito dinheiro para Franco sair. Em vez disso podiam arranjar o teleférico e a cruz. Estão muito mal." Rosa fica irritada ao falar de política porque, afirma, "todos roubam e não dizem a verdade". E dá o exemplo do dirigente de esquerda que é cabeça-de-lista da coligação Unidas Podemos nestas legislativas. "Olhe o Pablo Iglesias, que tanto andou a defender umas ideias e depois foi comprar uma bonita e cara casa...".Javier Robledo, natural de Bilbau, passou 50 anos na América do Sul e há cinco instalou-se em San Lorenzo de El Escorial. Aí tem um negócio de reprografia. "Escolhi esta aldeia porque é tranquila." Mas agora, refere, "há mais criminalidade"..Está admirado com tanto alarido à volta de Franco, o ditador que morreu em 1975, aos 82 anos. "Nos anos 1980 ninguém falava dele, os jovens quase nem sabiam quem era, e agora... querem ressuscitá-lo." Ao contrário dos restantes entrevistados pelo DN, Javier vai com uma certa regularidade ao Vale dos Caídos, mas não é por vontade própria. "Tenho muitas visitas de amigos e querem lá ir. A cada vez que vou encontro lá mais gente", nota, admitindo que o aumento do turismo acaba por beneficiar todos os que têm negócios nesta aldeia.