Eduardo Lourenço junta Graça Moura a Camões e Pessoa
Acabara de ser anunciado ao público que vencera a primeira edição do Prémio Vasco Graça Moura-Cidadania Cultural. Era hora de almoço. Eduardo Lourenço, quase alheado, de certo modo denunciando a sua vasta experiência, lança ao telefone: "Cheguei agora mesmo ao restaurante, ainda por cima estava fechado." O filósofo e ensaísta de 92 anos tornou-se o primeiro galardoado com o prémio instituído em memória do homem que ontem teria feito 74 anos.
Os louvores podem não ser uma novidade para Lourenço, já distinguido com o Prémio Camões (1995) e Pessoa (2008) - para nomear dois por entre um rol infindável. Mas este, com o valor de 40 mil euros, uma iniciativa da Estoril-Sol em parceria com a editora Babel - que deverá ser anual - constitui uma homenagem ao poeta que morreu em 2014. E isso é "uma grande honra".
"Realmente começo a estar habituado. Mas seria uma grande arrogância da minha parte não ficar honrado com este prémio. Para qualquer pessoa que recebesse um prémio com o nome do poeta e homem de ação que foi o Vasco Graça Moura, [este] seria para ele uma grande honra, um grande prazer e uma grande alegria. É o meu caso."
Tanto mais porque o conhecia e admirava. "Fui amigo dele, devo--lhe imenso. Admiro-o por ele ser o grande poeta que é, ficcionista, homem de ação - coisa rara - e também um grande tradutor, cosmopolita, um homem do Renascimento, um espírito muito corajoso, um verdadeiro mosqueteiro das Letras portuguesas."
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Nas palavras do júri, presidido por Guilherme d"Oliveira Martins, Lourenço é, "em tempos de incerteza", "voz de esperança, que apela ao diálogo e à paz, com salvaguarda da liberdade de consciência e do sentido crítico. A sua heterodoxia mantém-se viva e atual".
"Não sou o Mastroianni"
Aos 92 anos, o ensaísta é "uma personalidade multifacetada" que aumenta a "reflexão sobre uma Europa aberta ao mundo e nunca fechada numa qualquer fortaleza encerrada no egoísmo e no preconceito", lia-se na mesma ata.
Quando lhe perguntamos como corre o seu trabalho nos dias de hoje, responde: "Tenho sempre muita dificuldade em chamar trabalho àquilo que eu fiz. Acho que era o Mastroianni que dizia que não percebia como é que lhe chamavam trabalho quando, afinal de contas, ele só tinha prazer naquilo que fazia. Eu não sou o Mastroianni, mas é a mesma coisa. Não me posso considerar um trabalhador, é ofender os trabalhadores verdadeiros." Conta que continua "a ler bastante" e "a escrever", mas di-lo como quem é obrigado a comentar uma rotina matinal.
O Prémio Vasco Graça Moura-Cidadania Cultural procurava alguém que houvesse "contribuído para dignificar e projetar no espaço público o setor a que pertença". Encontrou-o em Eduardo Lourenço, nascido na Beira Alta e de estudos feitos em Portugal antes de partir para França.
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Mais do que outra coisa, Lourenço será um pensador. Do país e sua identidade, da Europa, dos mitos e da tessitura das coisas. Como se viu, por exemplo, em Tempo da Música, Música do Tempo (2012). Entre as suas maiores obras contam-se Heterodoxia I e II (1949 e 57), Pessoa Revisitado (1973) ou Fascismo nunca Existiu (1976).
Foi professor mundo fora, da França e da Alemanha ao Brasil. Conta, entre as distinções, a Legião de Honra francesa (2002) e a medalha de Mérito Cultural do Governo Português (2008).