Eduardo Cunha dá nova dimensão à expressão "ascensão e queda"
Teve o apoio dos deputados durante a maior parte do tempo em que esteve no poder, cedeu-lhes sempre que necessário para se equilibrar na corda bamba da política à brasileira mas, no momento em que mais precisava dos aliados, foi alvo de uma traição de enormes proporções e acabou fora do cargo antes do fim do seu mandato. O período acima aplicar-se-ia a Dilma Rousseff, mas refere-se ao seu algoz, Eduardo Cunha, destituído 12 dias depois dela, numa goleada de 450 votos a favor e 10 contra, na madrugada de ontem em Brasília. A saga de Cunha deu outra dimensão à palavra "carma". E à expressão "ascensão e queda".
Nascido no Rio de Janeiro há quase 58 anos, Eduardo Cosentino da Cunha começou na política no final do anos 80 através da menos recomendável das companhias: Paulo César Farias, conhecido como PC Farias, tesoureiro de Collor de Mello, pivô do primeiro impeachment da democracia brasileira e cujos detalhes do suicídio (assassinato?) em 1996 continuam por esclarecer. A conselho de PC Farias, Collor nomeou-o para a Telerj, estatal de telecomunicações do Rio de Janeiro, de onde saiu sob suspeita de fraude e com nova amizade suspeita: Francisco Silva, dono da evangélica Melodia FM, rádio que Cunha privilegiara enquanto quadro da Telerj.
Como pagamento, Silva ofereceu-lhe um boletim pessoal na Melodia FM, que ainda mantém e termina com o slogan "o povo merece respeito". A rádio deu-lhe relevância eleitoral, a ponto de ser eleito, em 2002, deputado federal pela primeira vez, como candidato de um dos cinco partidos por onde passou antes de ingressar no poderoso PMDB, e reconduzido à presidência da Telerj, já sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, que nos seus diários publicados no ano passado o acusava de "estar sempre metido em confusões".
Cunha, no entanto, graças a imunidades parlamentares e foros privilegiados, foi escapando de todas as confusões e construindo um império de influência na Câmara dos Deputados, a cuja sede chegava às 06.00 e saía às 22.00 "Ele só conhece dois livros, o regulamento interno da Câmara e a Bíblia, mas conhece-os a fundo", diz ao DN Matheus Pichonelli, colunista da revista CartaCapital. Na casa de onde foi expulso na madrugada de ontem, passou a ser conhecido como "génio", pelos seus apoiantes, cujas campanhas conseguia irrigar à conta de desvios na Petrobras e não só, e de "génio do mal", pelos seus inimigos. Mais tarde chamaram-no de "Gru", desprezível personagem do filme de animação O Mal Disposto; às dezenas de deputados do bloco de partidos conhecido como Centrão que sempre o rodeavam alcunharam-nos de "Mínimos", a polícia de choque de "Gru". Só sobraram 10 "mínimos" fiéis na votação de ontem.
Com o apoio dessa polícia de choque elegeu-se presidente da Câmara em fevereiro de 2015. Já definira Dilma como alvo, quando quatro anos antes ela demitiu por suspeitas de corrupção protegidos seus da Hidroelétrica estatal Furnas, mas passou a vê-la como inimiga mortal por ela ter lançado um candidato do PT contra si naquela eleição. Começou por aprovar "as pautas-bomba", projetos que onerassem os cada vez mais fragilizados cofres públicos, e acabou, já envolvido até ao pescoço na Lava-Jato, a tirar o impeachment da gaveta no dia seguinte ao PT dar instruções para os seus deputados votarem pela sua destituição no Conselho de Ética da câmara. No ato, fez cair Dilma e promoveu à presidência o colega de PMDB Michel Temer, com o apoio do partido de ambos, do Centrão e da velha oposição, liderada pelo PSDB.
Entretanto, como se soube que a sua mulher, Cláudia Cruz, ex-apresentadora da TV Globo e também suspeita da Lava-Jato, tirou um curso de ténis na famosa Academia Bolletieri, na Florida, à conta do contribuinte; que o casal se hospedou nos mesmos hotéis de Zurique, Roma, Veneza, Paris ou Cascais que a realeza do mundo inteiro. Tornou-se o político mais detestado do país. E, por conseguinte, um estorvo para Temer, para o PSDB e até para o Centrão. Nos últimos meses, foi acumulando derrotas, políticas e judiciais, até ser obrigado a abdicar da presidência da câmara, sob choro convulsivo e pedidos de clemência.
Evangélico radical - é contrário à legalização do aborto, limitou decotes na Câmara e redigiu projeto que criminaliza a heterofobia - dispõe de 288 domínios da internet em nome da sua empresa "jesus.com". À saída da votação da Câmara que o impede de concorrer a cargos públicos até 2027 e lhe retira a imunidade parlamentar colocando-o sob a alçada do juiz Sérgio Moro, disse que só teme a Deus. Entretanto, o presidente Temer, também religioso, além de Deus deve temer Cunha, a julgar pela sua ameaça final. "Os próximos são vocês", disse o ex-deputado de dedo apontado aos ex-aliados que o deixaram cair sozinho.
Em São Paulo