EDP perdeu 400 milhões com os CMEC
"A passagem de CAE para CMEC não é favorável à EDP, é até ligeiramente desfavorável. Não foi por aqui que embelezaram a noiva ou engordaram o porco." O argumento foi apresentado na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da energia pelo economista João Duque, autor de um estudo datado de maio de 2012 e encomendado diretamente ao professor do ISEG por António Mexia, CEO da EDP. O documento confidencial "Análise Financeira dos CMEC e da Extensão do Domínio Hídrico da EDP", a que o Dinheiro Vivo teve acesso, calcula esta alegada desvantagem da EDP em 441 milhões de euros.
Esta diferença de valores surge entre os 833 milhões de euros da valorização dos CMEC de acordo com a "metodologia do acordo realizado em 2007 num cenário pós-CAE" e os 1274 milhões de euros que resultaram da avaliação do estudo em causa. Os cálculos que surgem no documento mostram que este valor mais elevado devido à EDP por ter passado para os CMEC resulta de uma discrepância entre cashflows esperados: por um lado, um custo de capital anual de baixo risco, de 4,85% (nominal, antes de impostos), para o período entre 2007 e 2016; por outro, um risco mais elevado, calculado a 7,55% entre 2017 e 2027. Segundo este raciocínio, o valor anual pago à EDP deveria ter oscilado entre 101 e 125 milhões de euros, em vez dos 82 milhões decididos em 2007.
"Um dia o doutor António Mexia ou o doutor Manso Neto, não me recordo qual deles, ligou-me a perguntar se uma equipa do ISEG podia fazer um trabalho de análise financeira à forma como foram renegociados os CMEC, por substituição dos CAE. Como a avaliação é financeira, e sendo eu professor de Finanças, disse que podia integrar o grupo de trabalho. Porque a questão reduzia-se meramente à técnica", contou João Duque no Parlamento. Questionado sobre se a EDP lhe encomendou o estudo para justificar alguma medida política ou decisão da empresa, o economista respondeu: "Provavelmente era para defender a sua posição."
Este documento do ISEG foi entregue à EDP em maio de 2012, em resposta direta ao estudo "Rendas no setor da eletricidade" (que integra uma análise da Universidade de Cambridge), publicado três meses antes, em fevereiro do mesmo ano, pelo gabinete do secretário de Estado da Energia da altura, Henrique Gomes. Importa recordar que, entre um estudo e o outro, Henrique Gomes demitiu-se do governo de Passos Coelho e foi substituído por Artur Trindade, vindo da ERSE. Em causa estava a divisão no seio do governo PSD-CDS sobre como se deviam corrigir as rendas excessivas da EDP. Neste ano, Henrique Gomes veio já admitir que existiam pressões da EDP diretamente ao primeiro-ministro. Nessa altura, o secretário de Estado da Energia defendeu mesmo a introdução de uma contribuição especial sobre as rendas excessivas na produção regulada de energia, mas a proposta foi inviabilizada por causa da privatização da EDP.
Dizia o governo na altura que "limitar a transferência dos produtores para os consumidores do valor acumulado das rendas excessivas", em articulação com outras medidas, iria permitir "estabilizar o défice tarifário em 2013" e eliminar totalmente a dívida tarifária até 2020. Ontem, no Parlamento, quando questionado sobre se o seu estudo conclui que não existiram rendas excessivas pagas à EDP no âmbito dos CMEC, João Duque disse: "A palavra excessivo não consta deste documento."
"As rendas que se possam considerar excessivas (dos CAE ou CMEC), se encaixadas no processo de privatização, o Estado recebeu-as, enquanto vendedor da EDP. O processo de privatização incluiu os cashflows dos CMEC", disse ainda o economista.
Em resposta ao estudo mais recente da ERSE, de setembro de 2017, de acordo com o qual a EDP recebeu um valor excessivo de 510 milhões de euros por conta dos CMEC, a empresa liderada por Mexia respondeu que o regulador recorreu a "cenários fictícios" para calcular as rendas a pagar na próxima década, até 2027, e garantiu ainda que ficou a perder 240 milhões de euros. "A EDP dispõe de estudos elaborados por entidades independentes que demonstram que o regime dos CMEC se traduziu numa redução material dos custos a suportar pelos consumidores, face ao que suportariam em regime CAE, num montante total acumulado de cerca de 240 milhões de euros", disse a EDP num documento enviado ao DCIAP, que está a investigar o caso no qual António Mexia e Manso Neto são arguidos.
Sobre as diferenças entre as taxas, que o estudo do ISEG sublinha, a ERSE considerou que "não se encontra fundamento para a escolha de uma taxa utilizada para descontar os cashflows dos CMEC no cálculo do valor inicial (4,85%) significativamente inferior à taxa utilizada para o cálculo das rendas anuais (7,55%) aplicadas a esses mesmos cashflows no mesmo momento". O regulador contrapôs com a recomendação da redução da taxa de anuidade associada à componente fixa paga à EDP para 2,04%.