Editora cria 'cláusula moral' para autores de livros infantis
Inglaterra. Polémicas na Random House
A cláusula está a ser incluída em todos os novos contratos com autores de literatura infantil e juvenil de uma das maiores editoras do mundo e assume contornos de ameaça: caso o escritor seja apanhado em qualquer conduta que "afecte a sua reputação enquanto pessoa idónea para trabalhar com ou estar associada a crianças e, por consequência, o valor de mercado da sua obra seja seriamente diminuído", a Random House reserva-se o direito de atrasar ou cancelar a publicação, reaver adiantamentos feitos por conta de honorários ou direitos, ou até rescindir contrato. Mas esta decisão, que está a alimentar polémica no meio literário britânico e cresce em discussões na blogosfera, é apenas uma entre outras que ameaçam prejudicar a imagem da editora britânica, que há duas semanas cancelou a publicação de um romance sobre a vida de uma das mulheres de Maomé por receio de ofender o mundo árabe.
De facto, no mesmo dia em que a denúncia desta nova "cláusula de moralidade' começava a circular pela Internet, os jornais britânicos davam conta da história insólita do que poderia ser apenas um erro de impressão e que mostra como letra pode fazer toda a diferença. Porque em inglês um simples "a" é tudo quanto separa uma palavra de um palavrão e foi quanto bastou para que a gigante cadeia de supermercados Asda (subsidiária da norte-americana Wall-Mart) banisse das suas prateleiras a última aventura de uma das mais bem sucedidas colecções de livros para crianças; que a Random House se retratasse com um pedido de desculpas público e a promessa de retirar o termo de próximas edições; e que uma das mais celebradas autoras britânicas da literatura infantil fizesse má figura.
Com uma letrinha apenas...
Anne Dixon é uma tia-avó de 55 anos que ofereceu à sua neta Eve, de apenas nove, o último livro da autora Jacqueline Wilson My Sister Jodie. Zelosa da qualidade da literatura que propunha à criança, decidiu lê-lo ela primeiro. E o problema começa quando, às páginas tantas, a senhora percebe que o insulto inofensivo twit (tonto, parvalhão), havia sido por três vezes substituído pelo calão ofensivo twat (que além de ser sinónimo pouco digno para o órgão sexual feminino serve também de insulto). Indignada, Anne Dixon fez queixa no atendimento ao cliente do supermercado, que decidiu retirar o livro de venda, lançando a polémica para os jornais. "Não sou púdica, e até me considero uma pessoa de mente aberta, mas isto é completamente inapropriado para as crianças, que não deviam ser sujeitas a este tipo de lixo e vulgaridade", declarou ao Daily Telegraph a tia-avó que garante ter primeiro contactado a autora Jacqueline Wilson por email e só depois, face à ausência de uma resposta, ter decidido avançar com uma queixa.
Ao mesmo Daily Telegraph, fonte da Random House explicou que a editora já havia tomado a decisão de retirar a palavra do livro antes desta queixa, apesar de "apenas terem sido recebidas três queixas depois de 150 mil exemplares vendidos." Mas a gravidade do calão não parece ser consensual. Em declarações à imprensa britânica, John Simpson, editor-chefe do Oxford English Dictionary, confessou-se surpreendido com a decisão da Random: "este é um termo hoje usado para designar um mero parvo, sem qualquer referência ao seu sentido original".|