Edgar António de Mesquita Cardoso nasceu no Porto, a 11 de maio de 1913. Filho de Francisco Vítor Cardoso, oficial de infantaria e engenheiro civil de minas, e de Amélia Teixeira de Mesquita Cardoso, proprietária em Belém, no Pará, Brasil. Casou-se em 1941 com Margarida Congeol, de quem não teve filhos. A casa onde nasceu mantém-se intacta. Acompanhava o pai no seu trabalho e daí terá surgido a sua paixão. Chegou a escrever que "as pontes são como pessoas, organismos vivos, sujeitos a evoluções e mudanças"..Estudante ilustre.Matriculou-se em Engenharia Eletrotécnica e Civil, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), mas no último ano de licenciatura foi obrigado a optar por um dos cursos, escolhendo, por influência paterna, o de Engenharia Civil, que concluiu em julho de 1937, com 17 valores..Era o princípio do Estado Novo, altura em que o regime queria afirmar-se com grandes obras públicas. Terminada a licenciatura, estagiou na divisão de pontes da Junta Autónoma de Estradas (JAE). Com o relatório de estágio, louvado pelo engenheiro militar Silveira e Castro, presidente da JAE e da comissão administrativa da Urbanização Costa do Sol, foi aprovado na FEUP com 19 valores e convidado a trabalhar naquela Comissão. Competia-lhe o cálculo da passagem de betão armado sobre a autoestrada Lisboa-Estádio Nacional, na Cruz das Oliveiras..Em janeiro de 1938 ingressou na JAE como engenheiro civil, trabalhando na direção de pontes. Nesta fase da sua vida, estudou, projetou e construiu essencialmente pontes, mas também se dedicou a trabalhos de investigação, sendo o introdutor em Portugal da investigação experimental em engenharia civil, na área de estruturas, tendo recebido uma bolsa de estudo do Instituto para a Alta Cultura..Em 1947 foi nomeado presidente da comissão de Estudo da Reorganização da Cerâmica de Construção, do Ministério da Economia, e participou em trabalhos do Conselho Superior de Obras Públicas. Como reconhecimento da sua contribuição, o Conselho propôs em 1987 que lhe fosse atribuído um louvor, concedido pelo ministro das Obras Públicas, João de Oliveira Martins..Paralelamente ao setor público, também trabalhou no privado. Em 1944 instalou o seu Laboratório de Ensaio e Estudo de Estruturas e Fundações Eng. Edgar Cardoso na Avenida Elias Garcia, em Lisboa, que em 1958 foi transferido para a Rua Andrade Corvo e em 1992 se transformou numa sociedade..Após o 25 de Abril de 1974, foi saneado do Instituto Superior Técnico (IST), onde era docente, por ter projetado a Ponte da Arrábida para o anterior regime fascista. Readmitido em 1979, continuou a lecionar até à sua aposentação. Na altura da sua reintegração no IST foi ressarcido das remunerações devidas, no valor de um milhão de escudos, dinheiro que doou ao Estado para atividades de interesse nacional. O governo de então usaria esta verba para instituir a Fundação Edgar Cardoso com o intuito de conceder bolsas de estudo a alunos e doutorados do IST e atribuir prémios a trabalhos de investigação ou a projetos de engenharia na área de pontes e estruturas especiais..A sua carreira académica e científica foi notável. Aos 35 anos, detinha já um currículo invejável, constando, entre outras atividades, o projeto e acompanhamento de execução de 35 pontes, oito reparações de pontes, as estruturas das novas faculdades de Letras e de Medicina, em Coimbra, e do Cine-Teatro Império, em Lisboa. Em 1990, constavam já do seu currículo 500 estudos e projetos de pontes e o estudo e projeto de estruturas especiais, como edifícios, pontes-cais, aeroportos sobre o mar, e de consolidação de muros de suporte de taludes..Máquina de invenção.O "engenheiro das pontes", como ficou conhecido, tentou sempre ultrapassar tudo aquilo que já estava feito. "Não faço uma ponte igual à outra", dizia, "porque cada obra é um momento de inovação e de busca de novas soluções mais racionais e económicas". Procurava, sobretudo, a inovação, chegando a inventar ou a adaptar aparelhos e objetos para fabricar os modelos reduzidos com que trabalhava. Ele próprio afirmava: "O que não faço com a cabeça, faço com as mãos.".Fruto da sua capacidade inventiva e da habilidade manual nasciam modelos ou maquetas em diversos materiais, estruturalmente estudados, com aparelhos da sua autoria. Da sua faceta de inventor destaca-se o autoinfluenciógrafo mecânico-electrónico (1968), o extensómetro mecânico e a máquina fotográfica panorâmica (1973), que permite fotografar continuamente, sem distorção de verticais..O legado.A sua primeira grande obra foi a Ponte da Arrábida, no Porto, reconhecida como uma das obras-primas de engenharia do mundo. Porventura o seu projeto mais emblemático, foi construída entre 1957 e 1963. Destinada a vencer um vão de 270 metros entre as duas margens do rio Douro, foi executada por intermédio de um tabuleiro suportado por dois arcos gémeos ocos em betão armado com oito metros de largura cada, com uma flecha de 52 metros, contraventados longitudinal e transversalmente..No dia da inauguração, reuniram-se nas margens do Douro jornalistas dos mais diversos países para assistir ao retirar do cimbre do arco da ponte e, supostamente, à queda daquele que na época seria conhecido como o maior arco do mundo de betão armado - arco que ainda hoje se mantém intacto. A ponte permanece de pé e transformou-se num ícone do Porto moderno, novecentista..Nas memórias do engenheiro foram sempre evocadas a Ponte de Mosteirô, no Douro Médio, uma das primeiras que realizou, a da Arrábida, na Foz do Douro, ou a Ponte de São João, a sua última ponte, inaugurada no dia de São João de 1991..Consta que um dos seus grandes desgostos foi ter perdido, em 1953, o concurso para a ponte sobre o rio Tejo, a 25 de Abril. O seu projeto consistia em dois pilares, com uma estética muito semelhante à Torre Eiffel. Mas o Laboratório Nacional de Engenharia Civil não acreditou nas suas contas matemáticas e inviabilizou o projeto. Edgar Cardoso perdeu a batalha, mas não desmoralizou..Outra das suas máximas era que "todos os rios têm sempre um sítio onde pode ser feita uma ponte. É preciso é saber onde". Queria com isto dizer, com carácter simbólico, que todos os abismos do mundo podem ser vencidos pelas pontes do talento humano. Um homem que acreditava que o que faz avançar um país são os instrumentos e não os argumentos..Atravessou o ofício de engenheiro e a paisagem portuguesa como nenhum outro. As pontes foram o objeto do seu trabalho central e o pretexto para exercitar a sua inteligência em vários sentidos, através da inovação e do experimentalismo. A ponte sobre o rio Mondego, na Figueira da Foz, que leva o seu nome, é das mais exaltantes. As duas pontes sobre os rios Cávado e Caldo são especialmente curiosas. Mas talvez o centro nevrálgico da sua obra esteja no rio Douro. A ponte da foz do rio Sousa (1948) foi considerada um teste para a Ponte da Arrábida, com um cimbre (armação) de madeira que ainda pode ser admirando em fotografias, até à Ponte da Arrábida propriamente dita e à Ponte de São João, todas elas testemunhos de uma época, avanços importantes da engenharia a nível mundial e ícones..Dimensão arquitetónica.Além da engenharia, há também muito de arquitetónico na obra de Edgar Cardoso. A Ponte da Arrábida pode ser ligada ao modo como a arquitetura moderna se revelou finalmente nas cidade e na cultura portuguesa nos anos 1950; e a Ponte de São João ao modo como nos anos 1980 e 1990 se assistiu a um reinvestimento nas formas minimalistas de uma estética que viria a marcar a primeira metade do século XX. Assim como a Ponte de Santa Clara, em Coimbra, de 1950, que remete para as obras de Oscar Niemeyer, muito marcadas pela nova plasticidade possibilitada pelo uso do betão..Edgar Cardoso pertence a um tempo em que a engenharia podia ser praticada com maior romantismo e maior liberdade. A sua vida e obra cruzar-se-iam também com a própria história do império. Foi um homem de uma globalização avant la lettre ("antes do estado definitivo"), construindo em Angola, Moçambique, Guiné, Goa, Macau, Brasil e Costa Rica..Morreu a 5 de julho de 2000, no Hospital Pulido Valente, em Lisboa, e com ele desapareceu um dos maiores génios da história da engenharia civil nacional e internacional.