Há coisas que só existem no futebol. Como ganhar a final do Campeonato da Europa de Ronaldo sem Ronaldo e com um golo de Éder, o patinho feio no prolongamento. Foi a maior vitória de Portugal, a primeira numa competição no futebol que conta, no terreno do adversário - a França tinha ganho as duas finais que tinha tido em casa e perdeu com Portugal, que nunca tinha ganho aos franceses em jogos oficiais. Mas se era para vingar estes anos todos, ninguém conseguiria arranjar melhor, na forma e no conteúdo..O golo é histórico: Éder tinha substituído Renato Sanches a 12 minutos dos 90 e tinha dado boa conta de si, ganhando uma série de faltas. E aos 109" recebeu de Moutinho sobre a esquerda, aguentou Koscielny, ganhou espaço, Umtiti não se aproximou e o remate rasteiro bem de fora da área saiu fora do alcance de Lloris. Um golo maior do que Éder! Foi a explosão de Paris a Timor, daquelas proezas de uma grande potência do futebol, na sua segunda final..Faltavam dez minutos para o fim do prolongamento, os franceses estavam perdidos. Esteve mais perto Portugal do segundo do que o adversário de empatar. A França nunca conseguiu ter um bom desempenho mental em campo. Didier Deschamps tem duas finais internacionais como treinador - a do Mónaco com o FC Porto em 2004 em Gelsenkirchen e esta. Com portugueses a coisa não vai lá para o antigo capitão da seleção francesa, que nessa qualidade ganhou quase todas..O jogo ficou marcado, naturalmente, pela saída de Cristiano Ronaldo aos 23", lesionado, em maca, a chorar, com Fernando Santos a ir consolá-lo e Bruno Alves também. O n.º 7 foi vítima de uma entrada de Payet logo nos primeiros minutos, cortando a bola com o pé direito e depois dando uma joelhada no capitão português, que ficou no chão. Ainda quis continuar, pôs uma ligadura, mas não conseguia mesmo. Saiu. Se em 1984 a França ganhou com um frango de Arconada na final, e no Mundial de 1998 com aquela estranha doença do brasileiro Ronaldo, esta lesão de CR7 vai ser daquelas histórias que ficarão pelos tempos. Mas Clattenburg nem falta marcou. Rui Costa, a comentar para a RTP, chamou-lhe a certa altura "um lance que acaba por ser normal", mas não foi, sobretudo tendo em conta o critério que seguiu depois, no amarelo a Cédric, por exemplo. O critério do árbitro inglês foi não ter critério. Teve sorte que os jogadores ajudaram. Certo é que Payet ficou ligado à final da pior maneira..Portugal começou muito mal, a falhar passes fáceis, naqueles erros não forçados que se sentem numa final. Logo aos dez minutos, a França esteve muito perto de marcar num cabeceamento de Griezmann para a primeira grande defesa de Rui Patrício no jogo..O jogo foi diferente depois da saída de Ronaldo. Renato melhorou, porque entrou Quaresma e este fixou-se à direita junto à linha, pelo que o jogador do Bayern passou para a sua posição natural, no meio, e ficou mais confortável no seu habitat natural. Mas sobretudo a partir dali o estilo mais defensivo de Portugal ficou justificado - sem CR7, com um árbitro contra, quem tinha de fazer o jogo era a França. Mas nunca o dominou, embora o tenha substancialmente controlado, sem construir muitas oportunidades. Teve mais do que Portugal, sim, mas nunca conseguiu períodos de pressão. Teve uma bola ao poste (Gignac) já nos descontos - Raphaël respondeu com tiro de livre à barra mesmo antes do golo de Éder. Estrategicamente, Portugal defendeu sempre bem - ou não fosse Fernando Santos o treinador. Nunca foi apanhado em contra-pé, sempre bem com quatro jogadores no mínimo em posição. Com Ronaldo não seria muito diferente, sem ele só podia ser assim..Ou seja, a França teve sempre medo de assumir o jogo, de correr os riscos que o jogar em casa em princípio implica. E Portugal começou tão mal que podia ter aproveitado bem melhor, mas não teve arte. Portugal foi-se encontrando em campo, a entrada de Moutinho melhorou a equipa e a de Éder deu extensão ao jogo com a sua altura..Se Fernando Santos sonhou, a obra nasceu. Acreditar foi essencial, porque ter grandes objetivos é uma base para o sucesso. E se a final não foi brilhante como jogo, é daquelas que ficam mesmo na história, porque Portugal ganhou sem Cristiano Ronaldo.