Na véspera das eleições de maio de 2015 no Reino Unido, as sondagens apontavam para um empate técnico entre os trabalhistas e os conservadores, com possibilidades de vitória do Labour após cinco anos de coligação dos Tories com os liberais-democratas. A maioria conquistada nas urnas por David Cameron caiu assim como uma surpresa. Ed Miliband, que liderava a oposição desde 2010, passou então a pasta a Jeremy Corbyn e recuou até ao chamado backbench (banco de trás) do Parlamento britânico, onde se sentam aqueles que não têm cargos no governo-sombra. Mas, tendo sido o mais jovem líder do Partido Trabalhista (tinha apenas 40 anos quando foi eleito), muitos não duvidavam de que regressasse ao frontbench (banco da frente)..Cinco anos depois de deixar a ribalta, Miliband está de volta, tendo sido nomeado ministro-sombra para as Empresas, Energia e Estratégia Industrial. Uma jogada arriscada do novo líder do Labour, Keir Starmer, eleito há uma semana, especialmente tendo em conta que continua a haver muitos fãs de Miliband. Numa sondagem de finais de janeiro, surgia logo atrás de Corbyn como o ex-líder mais popular entre os militantes trabalhistas, com 70% dos inquiridos a vê-lo de forma favorável (menos um ponto percentual do que Corbyn). Nas casas de apostas, as odds para que seja o futuro líder do partido são de 50/1..Mais: o cargo que agora ocupa será um dos mais visíveis no pós-pandemia do coronavírus, com Ed Miliband a liderar a resposta do Labour às políticas do governo britânico para ajudar as empresas a recuperar da devastação económica esperada. Não só por causa do covid-19, mas também do Brexit - cujo período de transição termina no final do ano, caso não haja um adiamento e cujas consequências são ainda desconhecidas.."Temos todos de nos focar em desempenhar o nosso papel na resposta do país ao coronavírus, trabalhando com o governo para ajudar os muitos negócios e trabalhadores que foram atingidos e que precisam de que as suas vozes sejam ouvidas", escreveu Miliband no Twitter. "Não podemos voltar a fazer negócios como sempre depois desta crise. Precisamos de reformular a nossa economia, respondendo à insegurança que muitos milhões de trabalhadores enfrentam. Temos também de voltar às alterações climáticas como a inevitável questão de longo prazo da nossa época", acrescentou, dizendo-se desejoso de trabalhar com Starmer..Deputado pela circunscrição de Doncaster North desde 2005, Miliband foi ministro da Energia e das Alterações Climáticas entre 2008 e 2010, com Gordon Brown. Quando este perdeu as eleições de 2010 e se demitiu da liderança do Labour, apresentou-se como candidato à sucessão, acabando por derrotar por apenas 1,3% o seu irmão mais velho, David Miliband - que tinha sido chefe da diplomacia. Parte da razão da vitória foi o apoio dos sindicatos, o que lhe valeu a alcunha de Red Ed (Ed Vermelho, pela proximidade ao setor mais à esquerda do partido). Enquanto líder, esteve várias vezes envolvido em momentos constrangedores: o mais famoso foi aquele em que comeu uma sanduíche de bacon de forma desajeitada, sendo apontado depreciativamente como um "cromo"..Quando deixou a liderança do Labour, Ed Miliband manteve-se como deputado, participando em vários debates sobre alterações climáticas e energia. Ganhou ainda popularidade a apresentar o podcast Reasons to be Cheerful , com o radialista Geoff Lloyd, em que todas as semanas revela as suas razões para estar bem-disposto e discute com convidados ideias para melhorar o mundo. No último episódio, posto no ar no dia 6, data em que foi nomeado para o novo cargo, aparece a cantar uma canção do filme Música no Coração e diz estar bem disposto por causa das imagens de cabras a invadir uma aldeia nos tempos do confinamento, falando depois da necessidade de cooperação global para responder a uma crise global. Além disso, livre das amarras da liderança de um partido, tornou-se uma estrela no Twitter..Outros regressos.O regresso de um antigo líder aos cargos de maior poder dentro de um partido não é novidade no Reino Unido, mas é algo raro, com a maioria a ficar ainda uns anos como deputados, optando depois por apostar no setor privado. Neil Kinnock, que liderou o Labour entre 1983 e 1995, acabaria por ser comissário europeu (foi vice-presidente de Romano Prodi), mas não voltou à política interna..No Partido Conservador há contudo dois casos de regressos bem-sucedidos: William Hague, que foi líder entre 1997 e 2001, e o seu sucessor, Iain Duncan Smith, que esteve no cargo até 2003. Hague, que se demitiu após a derrota nas eleições de 2001, viria a ser chamado para o governo-sombra por David Cameron, de quem era na prática número dois, incluindo depois de este chegar ao poder, em 2010. Foi chefe da diplomacia e primeiro secretário de Estado, tendo também sido líder da Câmara dos Comuns. Está atualmente na Câmara dos Lordes..Já Iain Duncan Smith , que foi afastado da liderança partidária num voto de não confiança antes de disputar qualquer eleição, foi ministro do Trabalho e das Pensões entre 2010 e 2016, no governo de Cameron. No ano passado, esteve à frente da campanha de Boris Johnson para a liderança dos Tories, não desempenhando contudo nenhum papel oficial no seu governo..Nos liberais-democratas, Nick Clegg também voltou por momentos ao frontbench, depois de deixar a liderança do partido, que ocupou entre 2007 e 2015. Vice-primeiro-ministro no governo de coligação com os conservadores de David Cameron entre 2010 e 2015, voltou a assumir um papel de destaque após o referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia, quando se tornou porta-voz do partido para o Brexit. Acabaria contudo por perder as eleições de 2017, não voltando ao Parlamento.