Economistas não creem em segundo resgate. Mas veem riscos

Artigo do FT aponta fragilidades. Augusto Mateus, Braga de Macedo e António Saraiva assumem preocupação. PS desvaloriza
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Um crescimento económico débil (0,8% no segundo trimestre), a dívida pública "estratosférica" (130%), o investimento que não ganha força e as exportações a travar a fundo (1,5%) fariam soar alarmes em qualquer economia saudável. Tanto pior num país que, depois de um programa de assistência, não levou até ao fim as reformas consideradas necessárias, sofrendo de baixa competitividade crónica, apresentando um défice fiscal persistente e tendo um setor bancário a precisar de recapitalização - que é dono de uma fatia considerável da dívida pública.

A análise publicada ontem no Financial Times pelo editor para a Europa (leia aqui) segue a tendência que se tem desenhado na imprensa internacional - espanhola, alemã, norte-americana -, que deixou nas últimas semanas alertas sobre as nuvens negras que pairam sobre a economia portuguesa. Opiniões "especulativas", garante o deputado socialista João Paulo Correia, que afirma não haver "dados que as justifiquem - nem a Comissão Europeia dá para esse peditório". "Os números são validados pela Comissão", pelo que um novo artigo a equacionar um segundo resgate "não é preocupante", sustentou o responsável socialista pela área económica. "Para lá dos dados da execução orçamental, também são conhecidas quase diariamente as taxas de juro praticadas na colocação da dívida portuguesa", frisou.

Os economistas contactados pelo DN, porém, mostram-se preocupados. "É preciso dar atenção aos sinais evidentes" de degradação da economia, alerta Augusto Mateus. Se nada for alterado, no caso extremo "podemos chegar a situação semelhante à de 2011, desta vez pela dificuldade de cumprir compromissos e gerar valor". Visão partilhada por Jorge Braga de Macedo, que afirma que "vale a pena avisar com moderação sobre as turbulências financeiras mas apertar os cintos".

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Para António Saraiva, os sinais de alerta também são claros. "Todos os indicadores nos deixam apreensivos", diz o líder dos patrões. "Não queremos ser alarmistas, mas de facto estamos no fio da navalha", afirma, enumerando problemas como o tecido empresarial que precisa de ganhar fôlego para recapitalizar-se, a dificuldade em gerar confiança e a debilidade do sistema financeiro. A fragilidade da banca portuguesa é também realçada por Braga de Macedo pelo perigo de se manter "o círculo vicioso que quase nos levou à bancarrota em 2011". E diz que "não se pode excluir uma repetição" daquele cenário.

Para o PS, "o que conta são os dados da execução orçamental, que apontam para que se atinja a meta [do défice de] 2,5% do PIB e se consiga ficar abaixo dos 3%, o que significa que Portugal sairá do procedimento por défice excessivo".

[citacao:Não queremos ser alarmistas, mas de facto estamos no fio da navalha]

A ideia de Portugal poder ter de fazer um novo pedido de assistência é abordada no artigo assinado pelo editor do FT para a Europa, Tony Barber, ainda que não seja dada como inevitável. "Não são tanto os cenários mais complicados, que esperamos que não se concretizem... o que nos inquieta são as escolhas que têm levado a que estas opiniões existam e que a realidade e as estatísticas do INE confirmam: um país parado no investimento, nas exportações, no emprego, onde até o consumo privado está em queda", reagiu ao DN o deputado social-democrata António Leitão Amaro. "Não esperamos nem desejamos cenários como este. O que nos preocupa são os radares onde não estamos e devíamos estar: o dos investidores e reformismo, da confiança que podemos inspirar enquanto destino de investimento."

Os economistas concordam que o cenário não é trágico mas há problemas. "Não estamos à beira de um segundo resgate; há tempo para corrigir a trajetória, mas é um caso sério", admite Augusto Mateus, realçando que "o país vive dificuldades financeiras", mas a intervenção não tem de ser financeira. "Há excesso de política financeira; tentamos resolver no âmbito financeiro problemas de criação de valor, de confiança, de investimento." Para o antigo ministro da Economia do governo de Guterres, o principal problema é, sim, o "défice de política económica e social", num contexto de "crise de crescimento e investimento, com as exportações anémicas, as famílias a ter imensa dificuldade em poupar e sem estabilidade fiscal".

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"Nos últimos nove meses, a política tem sido reverter reformas que abriram a economia durante o período de ajustamento em vez de as aperfeiçoar. A comunicação é repetir à saciedade que a crise não mora aqui, na esperança de que Portugal seja "um oásis no incerto"", lamenta o antigo ministro das Finanças do governo de Cavaco, Braga de Macedo, que questiona: se as reformas ficaram a meio, "estaremos a tempo de arrepiar caminho"?

Opções políticas

"Vivemos numa lógica de curtíssimo prazo que não permite que se crie confiança - quer nos agentes internos quer nos externos", aponta Augusto Mateus, sublinhando porém que a dívida subiu muito com o primeiro resgate - "80 milhões é quase 50% do PIB". Mas alerta: "Sem crescimento abundante não se garante o pagamento da dívida, dos salários das pensões."

[citacao:Não estamos à beira de um segundo resgate; há tempo para corrigir a trajetória, mas é um caso sério]

O presidente da CIP lembra que a União Europeia também tem de fazer um caminho - "tem de se ajustar, redefinir e repensar para encontrar as respostas que lhe permitam crescer, encontrar fórmulas para voltar a ser uma União solidária". Mas diz que Portugal também precisa de mudar: "Estamos debaixo de um temporal mas há quem não queira ver que chove. Os tiques ideológicos não podem sobrepor-se à realidade dos factos."

Insistindo na falta de dados que justifiquem os argumentos do artigo de Tony Barber, João Paulo Correia admite que "essas opiniões também podem ser ataques ideológicos para tentar enfraquecer algumas governações, entre as quais a portuguesa", em que o governo socialista tem o apoio parlamentar do BE e do PCP. No texto, o editor do FT para a Europa explica que, "na visão dos empresários" portugueses, o governo de António Costa "está mais inclinado para medidas antiausteridade que possam agradar às multidões do que para fazer reformas destinadas a melhorar a eficiência do setor público e a encorajar o investimento". Uma visão que o deputado do PSD vê com preocupação: estes artigos revelam que lá fora se entende que "o governo está a fazer escolhas que contribuem para termos menos investimento, menos crescimento, menos exportações", afirma Leitão Amaro.

[citacao:Estamos debaixo de um temporal mas há quem não queira ver que chove]

"Não há nada nas contas públicas que indique" a possibilidade de haver um segundo resgate a Portugal, diz a bloquista Mariana Mortágua, lembrando que no FT também têm sido publicados artigos a defender a restruturação das dívidas públicas na Europa, de ser necessária uma reestruturação dessas dívidas e de a Alemanha mudar de posição, abandonando a defesa de políticas de austeridade em países como Portugal e Grécia.

Não foi possível obter comentários do CDS e do PCP.

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