Economia e bacalhau a pataco

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Obacalhau é um peixe muito apreciado pelos portugueses. Pescado nos mares do Norte, dá origem a imensos e variados pratos da culinária portuguesa, fazendo dos portugueses os maiores apreciadores per capita de tão delicada iguaria.

O mercado do bacalhau, seja ele da Noruega, da Gronelândia ou do Canadá, tem em Portugal um dos grandes centros de tratamento e consumo, ocupando milhares de trabalhadores - na pesca, na preparação, na distribuição e na restauração.

A sua contribuição para o PIB é por isso relevante e é uma componente importante da nossa balança corrente.

No passado, como era abundante, ainda não havia o problema da extinção da espécie, era barato e acessível a milhares de famílias portuguesas, sobretudo no interior, que não tinham acesso a peixe fresco.

Actualmente é uma matéria- -prima rara e, portanto, cara.

Para além dos seu valor alimentar, o bacalhau é um elemento da cultura portuguesa.

Servia tanto como remédio contra o raquitismo, em óleo do fígado do peixe, como expressão de sentidos, sobretudo do odor típico exalado pelo peixe seco.

Aligação do povo à cultura do bacalhau é tanta que a linguagem corrente está cheia de expressões onde entra o refinado peixe.

Vejamos alguns exemplos Quando se quer afirmar que há imensas alternativas para resolver um problema diz-se «há trezentas maneiras de fazer o bacalhau».

Para se descrever um tipo magro diz-se «está seco que nem um bacalhau».

Para identificar um odor intenso a maresia comenta-se «cheira a bacalhau».

Até o meu amigo Zé Melro, comerciante de secos e molhados, que eu já não via desde o ano passado, me saudou há dias na rua do Arsenal com um tradicional «aperta aí o bacalhau, amigo» e convidou-me para comer uns pastéis do dito com feijão frade na Rua dos Douradores.

Passámos o repasto a falar da crise de identidade do País. Mas nem por isso perdemos o apetite!

Contou-me ele, a propósito do bacalhau, que na I República se dizia dos políticos que faziam promessas para ganhar as eleições, que não tencionavam ou podiam cumprir, que ofereciam «bacalhau a pataco».

Era como se quisessem vender o bacalhau abaixo do preço de custo, tal era a abundância do peixe e das promessas.

Hoje, acrescentou, o bacalhau é um produto escasso e transformou-se num prato sofisticado e caro, especialmente se for do tipo amarelo.

Pelo contrário, as promessas são cada vez mais abundantes e desvalorizadas, uma vez que há cada vez mais políticos a fazer promessas do tipo «bacalhau a pataco».

Como se sabe, filosofou, é possível arranjar imitações do bacalhau e enganar assim os consumidores.

Por exemplo, o pechelim é um substituto próximo do bacalhau. Quando o preço deste sobe, aumenta o consumo do pichelim por ser mais barato.

O mesmo se passa com os políticos adeptos do «bacalhau a pataco». Quanto maiores são as dificuldades do País, mais promessas baratas fazem.

Com eles no poder, é possível ter sol na eira e chuva no nabal.

Prato da gastronomia, ou expressão de sentidos e sentimentos, o bacalhau é, sem sombra de dúvida, um símbolo do Portugal eterno.

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