Economia cresce 2,3% mesmo com petróleo a subir o triplo

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, alerta para riscos de subida do petróleo, das taxas de juro e para os perigos de uma guerra comercial
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A economia portuguesa está a conseguir resistir a um aumento "significativo" do preço do petróleo em euros. De acordo com o boletim económico de verão, ontem divulgado pelo Banco de Portugal, o crescimento real vai rondar os 2,3% em 2018, o mesmo valor projetado há três meses e que fica totalmente em linha com o que espera o governo e as principais instituições externas (Comissão Europeia e FMI).

No entanto, há fatores de risco que estão a adensar-se. O petróleo é um deles: em março, as expectativas implícitas no mercado de futuros apontavam para um aumento do preço da matéria-prima em euros na ordem dos 9% neste ano (para 52,6 euros por barril). Esse cenário alterou-se radicalmente. Agora, a subida prevista com base nos mesmos indicadores de mercado analisados pelo banco liderado por Carlos Costa é três vezes maior: o agravamento chega a 29%, com o barril de Brent a custar, em média, 62,2 euros.

E pode não ficar por aqui: a probabilidade de o petróleo subir mais é superior a 50% (um risco descendente para a economia, portanto). E nas taxas de juro de longo prazo acontece algo parecido, o que no caso de Portugal, que está bastante endividado, pode significar novos apertos, designadamente a nível orçamental. Embora o défice público esteja a descer, o peso da dívida pública continua acima de 120% do PIB, um dos maiores do mundo desenvolvido e da Europa.

"No que diz respeito ao preço do petróleo e à taxa de juro de longo prazo foram identificados riscos em alta para 2018 e 2019, com probabilidade de ocorrência de 55% no caso do petróleo e de 60% e 55% no caso das taxas de juro de longo prazo", diz o banco.

Sobre o perigo concreto que paira sobre os juros, o Banco de Portugal destaca "a incerteza política na área do euro e a possibilidade de um recrudescimento das tensões nos mercados financeiros". Os eventos recentes em Itália e os sinais de contágio observados mostram a relevância deste risco.

Sob a sombra da guerra comercial

O boletim de verão discorre ainda sobre uma ameaça que, nos últimos meses, ganhou corpo e que está quase a materializar-se. A declaração de guerra comercial por parte de Donald Trump a vários países, europeus incluídos.

Uma guerra generalizada a nível mundial entre os EUA e outros países teria efeitos adversos sobre Portugal, que é uma pequena economia aberta e dependente do comércio com algumas potências visadas pelos americanos, como é o caso da Alemanha.

Um ambiente de retaliação total entre países roubaria 2,5% ao PIB português em apenas três anos (até 2020 ou meados de 2021). Dito de outra forma, todo o crescimento obtido durante um ano (2018, por exemplo) seria anulado num mau cenário como este.

A probabilidade de ocorrer esta situação mais catastrófica ("guerra comercial generalizada") é considerada reduzida, mas o Banco de Portugal não a pode excluir.

Bem mais provável é o cenário de "guerra comercial limitada", em que se "considera uma escalada das tensões comerciais entre os EUA e todos os seus parceiros comerciais", podendo levar a "um aumento dos preços de exportação destes países para os EUA de cerca de 10%" e a uma retaliação dessas economias, "impondo tarifas do mesmo valor sobre as importações provenientes dos EUA".

Neste quadro de guerra "limitada", "o PIB mundial reduz-se 0,7% no final do horizonte de três anos" e "o comércio mundial apresenta uma redução acumulada no mesmo período de quase 3% face ao projetado no cenário base".

No cenário mais catastrófico, de guerra generalizada, "os efeitos sobre o PIB e sobre o comércio mundial são bastante mais severos, traduzindo-se numa redução de, respetivamente, 2,5% e 9,6%".

Porque Portugal é "relativamente aberto ao exterior", "a redução da atividade e do comércio a nível global tem um efeito adverso sobre a economia portuguesa". No cenário menos agreste, "verifica-se uma redução da atividade económica em Portugal ao longo dos três anos que ascende a 0,7%, sendo o efeito nos preços de 0,4%". No cenário mais severo, o impacto negativo acumulado sobre o PIB é de 2,5%.

"O efeito mais significativo provém da redução das exportações, via diminuição da procura externa." "A redução das exportações [portuguesas] tem consequências ao nível da procura de fatores produtivos, traduzindo-se numa redução do investimento e do emprego, bem como dos salários reais." Isto leva diretamente a uma "redução do rendimento disponível das famílias" e esta conduz a "uma diminuição do consumo privado que é agravada pelo aumento das taxas de juro". E o aumento dos juros, a par da redução da procura global, traduz-se também numa redução do investimento.

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