É urgente trazer os institucionais para o capital de risco
O investimento em capital de risco a nível mundial desceu em 2022, está a continuar a descer em 2023, e vai provavelmente continuar a descer em 2024. As tecnológicas perderam o seu sex-appeal? Ou estamos a assistir apenas uma correção de aumentos muito acentuados em 2021? O aumento das taxas de juro pode explicar parte desta retração?
As tecnológicas não estão a perder sex-appeal. Continuam a ser uma parte cada vez mais importante das novas grandes empresas mundiais (e também portuguesas). Mesmo assim, em 2023 estão a atrair menos investimento e algumas tiveram até de fazer despedimentos. Simultaneamente, outras continuam a contratar e a escassez de talento permanece.
Taxas de juro próximas de zero, que duraram vários anos, trouxeram importantes volumes de investimento para o capital de risco, à procura do retorno que não encontravam em títulos do tesouro ou obrigações. Com taxas de juro mais altas, estão a regressar a outros instrumentos.
É um reajustamento em baixa, face a 2021 e 2022, mas que poderá manter o nível de investimento em capital de risco, em 2024, a níveis próximos de anos de 2017 a 2020, que foram anos recorde. Esta seria a tese dos turistas. Fundos exteriores ao ecossistema, sem grande conhecimento, que vieram visitar este mercado, apenas porque o retorno estava baixo nos produtos onde tradicionalmente investem. Agora estariam a voltar a casa.
Isto afetaria principalmente os grandes tickets e as fases mais adiantadas de aceleração. Parte do que se está a passar é isto mesmo, o que implicou que o número de novos unicórnios caiu fortemente. Mas, mesmo nos níveis mais baixos de investimento também se está a verificar uma retração.
O que podemos fazer em Portugal
E em Portugal? Depois de 2021 e 2022 terem batido recordes de investimento em capital de risco, em 2023 está-se a verificar uma forte quebra. Apenas os investimentos mais baixos (1 a 4 milhões de euros) mantêm o nível dos anos anteriores. Houve de facto uma forte travagem nos investimentos de maior dimensão.
O que podemos fazer a nível nacional para manter a disponibilidade de capital de risco, que foi um dos fatores chave do forte crescimento do nosso ecossistema nos últimos oito anos?
Para além de reforçar os apoios públicos através da alavancagem dos fundos de capital de risco, que já foi feito pelo Banco de Fomento, e da ativação de financiamento deal by deal, para dar maior capacidade aos investidores que já estão no mercado nacional, devemos reforçar os esforços para atrair mais investimento privado de duas fontes complementares: Investidores estrangeiros com conhecimento de investir em tecnologia e investidores institucionais, que possam trazer maiores volumes de investimento para investir em empresas tecnológicas com forte potencial de crescimento.
Para a captação de investidores estrangeiros é necessário continuar e até intensificar o trabalho de promoção externa das startups portuguesas feito pela Startup Portugal e pela AICEP, que deve, não só divulgar as empresas que temos, mas também trabalhar diretamente no sentido de atrair e trazer investidores de capital de risco a Portugal. A Web Summit é uma oportunidade, mas o trabalho tem de continuar ao longo de todo o ano.
Para trazer mais investidores institucionais, num contexto de taxas de juro mais altas, é necessário trabalhar em dois aspetos: diminuir o risco e reforçar os incentivos.
Em primeiro lugar é importante criar instrumentos de mitigação de risco, nomeadamente através do uso de garantias de estado para cobrir parte de potenciais perdas, para investidores institucionais que participem no financiamento de fundos de capital de risco que tenham boas práticas de investimento e de dispersão de risco e supervisão da CMVM. Isto é importante para permitir que entidades reguladas possam investir em capital de risco, sem exigências de capital e avaliação das suas carteiras demasiado penalizadoras
Em segundo lugar, é também importante criar incentivos. Quer incentivos fiscais. Quer incentivos através da alavancagem com regras de remuneração assimétricas (como as usadas no Fundo 200M), usando os fundos disponíveis no Banco de Fomento (reforçados pelo novo fundo criado no OE de 2024), que permitam não só aumentar os capitais a colocar nos fundos, mas também majorar a remuneração potencial dos capitais privados investidos.
Presidente do Conselho Estratégico da Startup Portugal
Ex-ministro da Economia