A discussão em torno das ligações familiares no governo diz muito sobre o nível do debate político e sobre os protagonistas desse debate. Mas diz ainda mais sobre o estado da política..O que parecia ser só mais um caso de pré-campanha eleitoral acabou por assumir proporções épicas, sem que nada o justificasse e deixando para trás discussões muito mais úteis ao país. Este caso ultrapassou todos os limites do aceitável, com responsabilidades que podem ser partilhadas por todos: do governo ao Partido Socialista, passando pelo PSD, por Cavaco Silva, mas também pelo Presidente da República..As convulsões internas no PSD e a agenda muito própria de Rui Rio obrigaram Paulo Rangel a entrar demasiado tarde na corrida às Europeias. À falta de melhor discurso político, o experiente Rangel decidiu agarrar-se com unhas e dentes a este tema das famílias, para se fazer notar. Ignorando que o partido que representa não tem moral para atirar pedras, o cabeça-de-lista do PSD andou vários dias a pregar no deserto, secundado, a espaços e a medo, pelo líder do partido, que nem sequer é muito dado a este tipo de temas. Até que Marcelo Rebelo de Sousa decidiu aparecer e dar toda uma nova dimensão a este assunto..Habituado que está a comentar tudo o que mexe, Marcelo sentiu-se picado por ter dado posse a um governo cujo grande crime era ter sentados à mesa do Conselho de Ministros marido e mulher, pai e filha. O Presidente da República, claramente, não tinha visto mal nenhum nisso, mas já que era também o nome dele que estava em causa decidiu sacudir para o antecessor, Cavaco Silva, qualquer responsabilidade que lhe quisessem assacar. O que Marcelo talvez não tenha antecipado é que Cavaco Silva pode parecer que sim, mas não dorme..A entrada em cena do ex-Presidente da República parecia ter sido a melhor coisa que podia ter acontecido ao governo. Quando António Costa falou pela primeira vez sobre este caso, já a polémica se tinha transferido para Marcelo e para Cavaco, que voltou ao seu velho mantra dos que têm de nascer duas vezes para serem mais sérios do que ele. Bastou recuperar uma primeira página de O Independente para se perceber que, afinal, neste como noutros assuntos, também Cavaco não tem moral para atirar pedras..O primeiro-ministro só tinha de fazer aquilo que faz melhor: capitalizar a situação a seu favor, apontar Cavaco Silva como o grande inimigo e defender Marcelo Rebelo de Sousa, o aliado mais útil ao governo nesta situação..Mas a soberba tem destas coisas e costuma fazer dos que a usam as principais vítimas. António Costa desvalorizou este assunto desde o primeiro dia. Não só demorou uma eternidade a explicar-se - numa atitude que facilmente pode ser confundida com arrogância - como, pior do que isso, nunca tratou de mandar verificar se o governo tinha, de facto, telhados de vidro. O amadorismo na forma como, dentro do executivo, este caso foi tratado pagou-se, por isso, muito caro..Os exemplos de ligações familiares - mesmo que alguns sejam muito ridículos - foram-se sucedendo. A comunicação social fez, no final, o que o governo devia ter feito logo de início. E António Costa, que, entretanto, já tinha traçado em público as suas próprias fronteiras da ética e da moral, acabou por perder a face, à custa do primo de um secretário de Estado..Tudo isto, por si só, já seria bastante ridículo. Mas não subestimem os protagonistas deste enredo, porque eles já mostraram ser capazes de levar estas questões para todo um outro nível de absurdo. Então, agora, o problema é a lei. Qual lei? Ninguém sabe ao certo. Mas, aparentemente, se há pessoas da mesma família nos governos e nos gabinetes ministeriais, a culpa é da lei. Não é de quem nomeia, é do legislador. Porque quem nomeia não precisa de ter padrões éticos e morais. Quem nomeia limita-se a cumprir a letra da lei. Ou, neste caso, as letras que não estão lá..Marcelo Rebelo de Sousa voltou a lançar a boia de salvação a António Costa e ele não se fez rogado: agarrou-a com ambas as mãos. E lá voltamos nós ao velho vício da política portuguesa de mascarar todos os problemas com mais lei. Como se o Parlamento não tivesse tido nos últimos três anos e meio uma comissão para a transparência, que a única coisa que produziu foram esboços de leis opacas. Como se o problema dos padrões éticos e morais se resolvesse com mais uma resma de legislação..Há, no entanto, duas discussões que podiam e deviam ser feitas, à boleia deste caso. E nenhuma delas está a acontecer. A primeira tem que ver com a captura que os partidos de poder - tipicamente o PS e o PSD - fazem da administração pública, sempre que chegam ao governo. E não é apenas nos gabinetes ministeriais, é por esse país fora, em tudo o que é serviço público. Isso sim, uma verdadeira teia política que continua a alimentar a mediocridade e a incompetência, mas que ajuda a ganhar eleições autárquicas, europeias e legislativas..A segunda discussão que valeria a pena ter é a da capacidade que os partidos políticos têm para recrutar quadros qualificados para a política. Porque é que a política se tornou tão desinteressante para tanta gente? Seguramente, por uma imagem cada vez mais desgastada dos políticos. Provavelmente, pelo voyeurismo que este tipo de cargos arrasta consigo. Mas também pela falta de critérios de mérito, de exigência e de competência, que afastam muitos dos que podiam ser úteis à política..É por isso que a discussão que vale a pena ser feita não é se Mariana Vieira da Silva está no governo por ser filha de Vieira da Silva, ou se Eduardo Cabrita deve levantar-se da mesa do Conselho de Ministros porque a mulher acabou de se sentar, mas se eles são competentes para lá estarem. E porque é que a base de recrutamento é tão curta. Tudo o resto é bom senso. Bom senso de todos. De quem está no poder, de quem está na oposição e de quem, como nós, tem no voto o poder de julgar. Não haverá nunca nenhuma lei que resolva isso.
A discussão em torno das ligações familiares no governo diz muito sobre o nível do debate político e sobre os protagonistas desse debate. Mas diz ainda mais sobre o estado da política..O que parecia ser só mais um caso de pré-campanha eleitoral acabou por assumir proporções épicas, sem que nada o justificasse e deixando para trás discussões muito mais úteis ao país. Este caso ultrapassou todos os limites do aceitável, com responsabilidades que podem ser partilhadas por todos: do governo ao Partido Socialista, passando pelo PSD, por Cavaco Silva, mas também pelo Presidente da República..As convulsões internas no PSD e a agenda muito própria de Rui Rio obrigaram Paulo Rangel a entrar demasiado tarde na corrida às Europeias. À falta de melhor discurso político, o experiente Rangel decidiu agarrar-se com unhas e dentes a este tema das famílias, para se fazer notar. Ignorando que o partido que representa não tem moral para atirar pedras, o cabeça-de-lista do PSD andou vários dias a pregar no deserto, secundado, a espaços e a medo, pelo líder do partido, que nem sequer é muito dado a este tipo de temas. Até que Marcelo Rebelo de Sousa decidiu aparecer e dar toda uma nova dimensão a este assunto..Habituado que está a comentar tudo o que mexe, Marcelo sentiu-se picado por ter dado posse a um governo cujo grande crime era ter sentados à mesa do Conselho de Ministros marido e mulher, pai e filha. O Presidente da República, claramente, não tinha visto mal nenhum nisso, mas já que era também o nome dele que estava em causa decidiu sacudir para o antecessor, Cavaco Silva, qualquer responsabilidade que lhe quisessem assacar. O que Marcelo talvez não tenha antecipado é que Cavaco Silva pode parecer que sim, mas não dorme..A entrada em cena do ex-Presidente da República parecia ter sido a melhor coisa que podia ter acontecido ao governo. Quando António Costa falou pela primeira vez sobre este caso, já a polémica se tinha transferido para Marcelo e para Cavaco, que voltou ao seu velho mantra dos que têm de nascer duas vezes para serem mais sérios do que ele. Bastou recuperar uma primeira página de O Independente para se perceber que, afinal, neste como noutros assuntos, também Cavaco não tem moral para atirar pedras..O primeiro-ministro só tinha de fazer aquilo que faz melhor: capitalizar a situação a seu favor, apontar Cavaco Silva como o grande inimigo e defender Marcelo Rebelo de Sousa, o aliado mais útil ao governo nesta situação..Mas a soberba tem destas coisas e costuma fazer dos que a usam as principais vítimas. António Costa desvalorizou este assunto desde o primeiro dia. Não só demorou uma eternidade a explicar-se - numa atitude que facilmente pode ser confundida com arrogância - como, pior do que isso, nunca tratou de mandar verificar se o governo tinha, de facto, telhados de vidro. O amadorismo na forma como, dentro do executivo, este caso foi tratado pagou-se, por isso, muito caro..Os exemplos de ligações familiares - mesmo que alguns sejam muito ridículos - foram-se sucedendo. A comunicação social fez, no final, o que o governo devia ter feito logo de início. E António Costa, que, entretanto, já tinha traçado em público as suas próprias fronteiras da ética e da moral, acabou por perder a face, à custa do primo de um secretário de Estado..Tudo isto, por si só, já seria bastante ridículo. Mas não subestimem os protagonistas deste enredo, porque eles já mostraram ser capazes de levar estas questões para todo um outro nível de absurdo. Então, agora, o problema é a lei. Qual lei? Ninguém sabe ao certo. Mas, aparentemente, se há pessoas da mesma família nos governos e nos gabinetes ministeriais, a culpa é da lei. Não é de quem nomeia, é do legislador. Porque quem nomeia não precisa de ter padrões éticos e morais. Quem nomeia limita-se a cumprir a letra da lei. Ou, neste caso, as letras que não estão lá..Marcelo Rebelo de Sousa voltou a lançar a boia de salvação a António Costa e ele não se fez rogado: agarrou-a com ambas as mãos. E lá voltamos nós ao velho vício da política portuguesa de mascarar todos os problemas com mais lei. Como se o Parlamento não tivesse tido nos últimos três anos e meio uma comissão para a transparência, que a única coisa que produziu foram esboços de leis opacas. Como se o problema dos padrões éticos e morais se resolvesse com mais uma resma de legislação..Há, no entanto, duas discussões que podiam e deviam ser feitas, à boleia deste caso. E nenhuma delas está a acontecer. A primeira tem que ver com a captura que os partidos de poder - tipicamente o PS e o PSD - fazem da administração pública, sempre que chegam ao governo. E não é apenas nos gabinetes ministeriais, é por esse país fora, em tudo o que é serviço público. Isso sim, uma verdadeira teia política que continua a alimentar a mediocridade e a incompetência, mas que ajuda a ganhar eleições autárquicas, europeias e legislativas..A segunda discussão que valeria a pena ter é a da capacidade que os partidos políticos têm para recrutar quadros qualificados para a política. Porque é que a política se tornou tão desinteressante para tanta gente? Seguramente, por uma imagem cada vez mais desgastada dos políticos. Provavelmente, pelo voyeurismo que este tipo de cargos arrasta consigo. Mas também pela falta de critérios de mérito, de exigência e de competência, que afastam muitos dos que podiam ser úteis à política..É por isso que a discussão que vale a pena ser feita não é se Mariana Vieira da Silva está no governo por ser filha de Vieira da Silva, ou se Eduardo Cabrita deve levantar-se da mesa do Conselho de Ministros porque a mulher acabou de se sentar, mas se eles são competentes para lá estarem. E porque é que a base de recrutamento é tão curta. Tudo o resto é bom senso. Bom senso de todos. De quem está no poder, de quem está na oposição e de quem, como nós, tem no voto o poder de julgar. Não haverá nunca nenhuma lei que resolva isso.