É um mito o agosto sem alguns picos de calor político

Ao longo do último meio século, o mês preferido dos portugueses para gozarem férias teve momentos políticos em que se fez sentir um calor "de ananases". Muitos mais do que os do verão de 1975
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Há 50 anos, o clima de euforia que contagiou os portugueses pela conquista do 3.º lugar no Mundial de Futebol de Inglaterra, no fim de julho, prolongou-se pelos primeiros dias de agosto. No dia 6, o presidente da República, Américo Tomás, inaugurou com pompa e circunstância a ponte sobre o Tejo, símbolo do regime. Foi batizada Ponte Salazar, em homenagem ao chefe incontestado do Estado Novo.

Os portugueses só o souberam mais tarde, mas a 3 ou 4 de agosto de 1968, Salazar - distraído a ler o DN - deixou-se cair sobre uma cadeira de lona, no Forte de Santo António, no Estoril, onde passava férias. A cadeira cedeu e o chefe do governo caiu, batendo com a nuca no chão. D. Maria, a governanta, quis chamar logo o médico, mas o ditador não deixou.

Um mês depois, Salazar queixou-se de fortes dores de cabeça, foi operado de urgência na Casa de Saúde da Cruz Vermelha, começou a recuperar mas acabou por sofrer um AVC que ditou a sua morte política, sendo substituído por Marcello Caetano.

21 de agosto de 1970 é uma data histórica para a igualdade de género: Maria Teresa Lobo tornou-se a primeira mulher membro de um governo português. Foi nomeada nesse dia subsecretária de Estado da Saúde e Assistência.

A revisão constitucional de 1971 foi a 9.ª e última da Constituição de 1933. Publicada a 16 de agosto, teve como novidade a designação de "Estados" para as até então "províncias ultramarinas".

Descontentes com a nova legislação que abria aos milicianos o acesso ao quadro permanente, 51 oficiais reuniram-se clandestinamente em Bissau, na Guiné, no dia 21 de agosto de 1973. Discutiram as suas razões de queixa profissionais e, numa ousada incursão pela política, questionaram a forma como o governo encarava o "problema ultramarino". Com a unanimidade em torno da "revolução dos cravos" chegada ao fim, a Junta de Salvação Nacional divulgou, a 4 de agosto de 1974, uma declaração contra o "clima de caos e anarquia" que se vivia no país. No dia 22 foi a vez de o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general Costa Gomes, enviar uma circular às unidades militares alertando para "manobras reacionárias" contra os oficiais que se distinguiram no 25 de Abril. Perante o surto de "greves selvagens", no dia 27 foi publicado o decreto-lei n.º 392/74, que regulamentava o exercício do direito à greve.

O verão de 1975 foi o único que ganhou direito "oficial" a passar à história como "quente". A 7 de agosto foi divulgado o Documento Melo Antunes, logo chamado "dos Nove" e apoiado pelo PS. No dia seguinte tomou posse o 5.º governo provisório, chefiado pelo general Vasco Gonçalves, apoiado pelo PCP e pelo MDP, composto sobretudo por militares e independentes próximos daqueles partidos.

Ao longo do mês multiplicaram-se os assaltos a sedes do PCP, do MDP e da extrema-esquerda. A 18, num discurso em Almada que ficou tristemente célebre, Vasco Gonçalves fez a apologia das vanguardas e insistiu que a "legitimidade revolucionária" não devia ser posta em causa pelo resultado das eleições (que tinham dado maioria absoluta aos partidos moderados). Otelo proibiu-o de entrar nas unidades militares e aconselhou-o a "ir descansar". O dia 30 ficou marcado pela demissão do "companheiro Vasco", primeiro-ministro dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º governos provisórios.

Instaurada a normalidade constitucional, agosto de 1976 assistiu, a 10, ao regresso do antigo presidente Spínola, que estivera exilado no Brasil e, no dia seguinte, à aprovação no Parlamento do programa do I Governo Constitucional (PS), chefiado por Mário Soares. A 18, o Movimento Carta Aberta rompeu conversações com a Intersindical (veio a dar origem à UGT, em 1978).

Soares livre como um passarinho

Agosto de 1978 começou com uma comunicação ao país do Presidente Ramalho Eanes, anunciando que não nomearia um novo governo minoritário do PS, depois de, a 27 de julho, ter demitido Mário Soares, na sequência da quebra do acordo com o CDS, que apoiava o II Governo Constitucional. Soares desabafou: "Sinto-me livre como um passarinho a quem abriram a gaiola!"

A 9, Eanes indigitou o independente Nobre da Costa primeiro-ministro, antes de partir para Roma, onde representou Portugal no funeral do Papa Paulo VI. No dia 28 tomou posse o executivo - que caiu duas semanas e meia depois, com a rejeição do programa de governo.

Agosto de 1979 foi outro mês politicamente agitado. A 1 tomou posse o governo chefiado pela católica progressista Maria de Lurdes Pintasilgo. No dia seguinte, a recém-formada coligação de direita AD, chefiada por Sá Carneiro para concorrer às eleições de dezembro, declarou ser oposição ao novo executivo. PSD e CDS apresentaram uma moção de rejeição, que acabou chumbada. Também no dia 2 houve greve dos médicos, promovida pela Ordem. No dia 20, um incêndio em Oleiros destruiu mais de 250 quilómetros quadrados de floresta.

No verão de 1980, a Guerra Fria voltava a aquecer (a URSS tinha invadido o Afeganistão no fim de 1979). A 20 de agosto, o governo Sá Carneiro considerou persona non grata um elemento da embaixada soviética em Lisboa por "intromissão nos assuntos internos" (já antes tinha expulsado outros três diplomatas russos). A 23, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, sob a responsabilidade de Freitas do Amaral, retirou o passaporte diplomático ao ex-presidente Costa Gomes, então ativista do Conselho Mundial para a Paz, uma organização pró-soviética No dia 25, Mário Soares anunciou o apoio do PS à recandidatura de Eanes a Belém. Mais tarde, em outubro, Soares retiraria o seu apoio pessoal, autossuspendendo-se de secretário-geral do PS. A AD lançara (a 23 de julho) a candidatura - perdedora - do general Soares Carneiro.

Em 1981, agosto assistiu a mais uma crise da AD. No dia 14, o primeiro-ministro Pinto Balsemão foi exonerado, a seu pedido, "por falta de condições para o desempenho do cargo". Menos de uma semana depois, a 20, Balsemão sucedeu a si próprio após ter "recebido garantias" do CDS e do PPM.

A 12 de agosto de 1982 foi aprovada a revisão constitucional negociada pelo governo Balsemão com o líder da oposição Mário Soares. Eanes "encaixou" o corte de poderes presidenciais e o fim do Conselho da Revolução. Houve forte contestação do PCP e da CGTP perante os "ataques às conquistas de Abril". A organização terrorista de extrema-esquerda Forças Populares 25 de Abril (FP-25) cometeu um atentado com explosivos em Montemor-o-Novo.

Resgate de Portugal

O FMI andou por aí em agosto de 1983. No dia 9, a delegação chefiada por Teresa Ter-Minassian assinou um acordo para o resgate financeiro a Portugal com o governo do Bloco Central (PS-PSD), chefiado por Mário Soares. No dia seguinte morreu Pinheiro de Azevedo, o "almirante sem medo", primeiro-ministro do 6.º governo provisório, em 1975-76. Ficou célebre por ter sido o primeiro chefe de governo a fazer greve (na sequência do sequestro por uma manifestação de sindicatos da construção civil) e por frases como "O povo é sereno, é só fumaça" ou "Bardamerda para o fascista!" As FP-25 assaltaram um banco, em Matosinhos.

A notícia do primeiro dia de agosto de 1984 foi a concessão de um "grande empréstimo" a Portugal, no valor de 60 milhões de contos (cerca de 300 milhões de euros), por um consórcio financeiro internacional. Um elemento das FP-25 ficou gravemente ferido na explosão do engenho que estava a colocar numa serração, em Proença-a-Nova.

Agosto de 1985 foi mês de campanha eleitoral nas praias, feiras e romarias. O novo líder do PSD, Cavaco Silva, rompera a coligação com o PS, derrubando o governo do Bloco Central. O Presidente Eanes dissolveu o Parlamento e marcou eleições para 6 de outubro (ganhou Cavaco, sem maioria).

A 17 de agosto de 1987 tomou posse o segundo governo chefiado por Cavaco Silva e o primeiro de maioria absoluta de um só partido (PSD), na sequência das eleições de 18 de julho. Foi também o primeiro governo, desde o 25 de Abril, a completar uma legislatura. Durante uma troca de tiros com elementos das FP-25, em Lisboa, morreu o agente da PJ Álvaro Militão.

Agosto de 1988 foi o mês do incêndio do Chiado, no dia 25. A 27, Vítor Constâncio demitiu-se de secretário-geral do PS porque "não tinha generais para combater"...

A 28 de agosto de 1991, militantes "críticos" do PCP reuniram-se em Lisboa e condenaram a direção do partido por ter apoiado o golpe de Moscovo que tentou derrubar o líder soviético Gorbachev. Mais tarde foram expulsos do PCP e, em maio de 1992, formaram a Plataforma de Esquerda, depois Política XXI, uma das organizações que deram origem ao BE. Agosto de 1999 ficou marcado pelo referendo de dia 30, em Timor. Em plena ocupação indonésia e apesar da violência das milícias a soldo dos invasores, 78,5% dos timorenses votaram a favor da independência.

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