É seguro ser polícia nos dias de hoje? Não facilitar é a palavra de ordem

Há mais agressividade na reação à presença policial, alertam agentes da PSP. Sindicatos alertam para falta de meios como coletes
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A morte de Toninho, de 23 anos, baleado pela GNR durante uma perseguição no Algarve, após tentar assaltar uma caixa ATM, incendiou o bairro da Bela Vista, em Setúbal, onde o jovem morava. Maio de 2009. Depois do funeral, dezenas de moradores provocaram desacatos próximo da esquadra, lançando ofensas verbais aos agentes de serviço. Um rol de provocações lançava um clima de pré-guerra, mas os elementos da PSP limitaram-se a assistir, aguardando o momento certo para reagir e afastar a multidão. "Elementar postura", dizem fontes policiais. O caso ilustra bem as dificuldades dos polícias em lidar com desacatos e crimes em bairros problemáticos, como pode ter sido o que aconteceu na terça-feira à noite no bairro da Ameixoeira, em Lisboa, quando três agentes da PSP à paisana foram baleados ao tentar travar uma rixa entre famílias de etnia cigana. Duas mulheres acabaram também feridas.

"Pode parecer atitude cobarde"

É seguro ser polícia? Corre-se mais ou menos riscos do que há uns anos? Quem está no terreno diz que não se pode facilitar, até porque a resposta que vem do lado contrário é mais agressiva. Em 2015, e segundo dados que vão constar do Relatório da Autoridade de Segurança Interna, que hoje deverá ser entregue na Assembleia da República, morreram três polícias. Ficaram feridos 611 profissionais, embora os que tiveram necessidade de internamento baixassem de nove para cinco. Os feridos que tiveram de receber tratamento aumentaram de 308 para 320. Já os feridos sem tratamento baixaram de 302 para 291. O ano de 2014 foi inédito: não houve mortes em serviço e feridos foram 610. No ano passado também não há registo de ferimentos de civis por elementos da PSP e da GNR, segundo os dados a que o DN teve acesso.

Por isso "é preciso manter a calma, aguentar o máximo de tempo possível para avaliar a situação. Pode parecer uma atitude cobarde, mas às vezes até é essencial recuar para depois se avançar já devidamente equipados e com reforços ajustados à situação", explica fonte policial com vários anos de serviço na área da esquadra da Bela Vista, onde todo o cuidado chega a ser pouco para um agente numa jornada de trabalho dita normal. Se há alguma preparação para se trabalhar em bairros problemáticos? "Só é preciso ter cuidado", responde a mesma fonte, admitindo que ter um conhecimento dos líderes do bairro ou dos moradores teoricamente mais problemáticos pode traduzir uma mais--valia quando o barril de pólvora está prestes a rebentar. "Se soubermos como são alguns comportamentos ficará mais fácil travar um possível conflito. Mas há situações que parecem bonitas, mas com a nossa chegada ficam feias e descontroladas", relata, admitindo que a arma é uma companheira inseparável, à civil ou à paisana, ao mesmo tempo que os carros-patrulha estão dotados de coletes à prova de bala. Não facilitar é palavra de ordem transversal aos 50 elementos que trabalham na esquadra da Bela Vista, mas Paulo Rodrigues, dirigente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP) pede mais meios para quem trabalha nos bairros problemáticos do país.

"Há sentimento de impunidade"

Para Paulo Rodrigues o número de polícias feridos em serviço tem que ver com a nova postura dos criminosos. "Há 15 ou 20 anos, quando a PSP chegava, os indivíduos que estavam a cometer crimes fugiam. Hoje é tudo diferente. Confrontam a polícia, com os meios que têm à mão." César Nogueira, da Associação Profissional da Guarda, acrescenta que "há um sentimento de impunidade" de quem utiliza armas contra as forças policiais. "Em tribunal os criminosos sentem que estão mais protegidos. E se os polícias reagem, ainda têm problemas", argumenta, denunciando a existência de postos territoriais onde há apenas dois coletes balísticos para todo o efetivo.

Paulo Rodrigues alerta para um sem-número de vezes em que os agentes vão para o terreno tentar resolver apenas um problema de barulho na casa de um vizinho, mas acabam recebidos a tiro ou à pedrada. "Os recursos são essenciais", diz, reportando-se, sobretudo, ao número de agentes por carro-patrulha. "Terão de ser três ou quatro durante a noite e não os dois habituais. Depois têm de estar dotados de equipamentos de proteção pessoal. Só assim a intervenção pode ter um mínimo de segurança", resume.

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