E se Meirelles acabar por ser o Temer de Temer?

Novo ministro das Finanças ambiciona chegar ao Planalto um dia, o que preocupa o núcleo político do novo presidente.
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O novo ministro das Finanças do Brasil fez carreira na área financeira, aparenta um perfil técnico, fala a linguagem dos donos do PIB e até tem cara de economista. Mas nas veias de Henrique Meirelles, neto de prefeito, sobrinho de governador e filho de um secretário de Estado, corre sangue político. Michel Temer teme, por isso, que Meirelles possa representar para o novo presidente o que ele foi para Dilma Rousseff: uma sombra.

Meirelles, engenheiro de formação, de 70 anos, já confidenciou em privado que sonha chegar um dia ao Palácio do Planalto. O currículo profissional, que inclui a presidência do Bank of Boston e um longo período como banqueiro em Wall Street, habilita-o. O passado político, com passagem de sucesso pelo Banco Central, entre 2003 e 2010, como um dos rostos da prosperidade lulista, credencia-o. Em 2010, Lula da Silva queria-o mesmo como candidato a vice-presidente de Dilma, mas, por falta de química entre ele e ela, o escolhido foi Temer - com quem Dilma tinha mais química...

E há ainda desde os anos 1990 na política brasileira aquilo a que se chama "fator FHC". Na gestão do presidente Itamar Franco, logo após o impeachment de Collor de Mello, a estrela da companhia tornou-se o titular da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (daí as iniciais FHC), pai político do bem-sucedido Plano Real. Por causa disso, nas eleições seguintes, Itamar não foi sequer mencionado, enquanto FHC se candidatou, ganhou e ficou por oito anos no Planalto, de 1995 a 2003.

Por alguma razão, José Serra, do PSDB, que já perdeu duas corridas à presidência mas sonha com a terceira, pediu a Temer a Fazenda. Temer colocou-o no mais discreto Ministério das Relações Exteriores para tentar, provavelmente sem sucesso, suavizar-lhe as ambições. Mas de ambições está Henrique Meirelles cheio. Caso o novo ministro das Finanças inverta até 2018 a maior recessão do país desde os anos 1930, promovendo um ajustamento orçamental pesado, lançando reformas tributária e da segurança social eficazes e devolvendo a confiança aos investidores, mantendo o essencial dos programas sociais, podemos ter um candidato forte. Tão forte que pode até agradar a Lula da Silva, dada a admiração mútua.

23 homens

Na área política, sem surpresas, Temer rodeou-se de velhos caciques do PMDB: Eliseu Padilha, na Casa Civil, e Geddel Vieira Lima, na Secretaria de Governo, enquanto Romero Jucá, no Planeamento, fará a ponte entre política e economia. Leonardo Picciani, que pertencia à ala do PMDB pró-Dilma e votou contra o impeachment assume o Desporto, pasta essencial em ano olímpico no país, e o bispo Marcos Pereira, do PRB, acabou desviado da Ciência para o Desenvolvimento.

Os dois talismãs Bruno Araújo, do PSDB, e Blairo Maggi, do PP, ocupam as pastas das Cidades e da Agricultura, respetivamente. São talismãs porque o primeiro foi o 342.º deputado a votar pelo impeachment e o segundo foi o 41.º senador a anunciar o sim à destituição da presidente Dilma Rousseff, os números necessários para Temer assumir.

O governo, constituído por 23 ministérios, menos nove do que o cessante, não integra nenhuma mulher - o último executivo de Dilma contava com quatro, fora a chefe do Estado, e chegou a ter duas nas pastas mais importantes, Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Secretaria do Governo). O PMDB ocupa a maior fatia do primeiro governo Temer, com seis pastas, para já.

Rei morto, rei posto, todos os ministros de Dilma foram exonerados dos cargos ontem. No Diário Oficial da União, o primeiro nome entre os exonerados foi o de Lula da Silva, ministro da Casa Civil... que nunca chegou a sê-lo.

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