E se Marcelo renunciasse?
Depois da segunda semana horribilis em menos de dois meses, o Presidente da República foi ontem obrigado a garantir que pretende levar o mandato até ao fim ("Não, não estou cansado da Presidência") e permanecer no cargo até 2026. Na véspera, a jornalista Ângela Silva assinava uma análise no Expresso onde dava conta da coincidência que é o maior período de desgaste de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto Presidente dar-se na aproximação do seu sétimo aniversário em funções, sendo que o próprio já defendeu mais do que uma vez que a Presidência deveria ser exercida por um mandato único de sete anos.
Com sinceridade, não tenho qualquer informação privilegiada que me permita avançar mais do que o incumbente ou do que os especialistas na incumbência. Não sei se Marcelo fica, se sai ou qual das duas seria melhor para o professor e para país.
Seguindo as suas palavras, "neste momento, com a guerra e a crise, seria mau haver uma interrupção de mandato". Seguindo a lógica, seria tão mau quanto quatro anos de uma maioria absoluta sem uma Presidência sólida o suficiente para a contrabalançar. Na sua entrevista a Francisco Pinto Balsemão, este ano, assumiu que apenas se recandidatou em 2021 devido à crise pandémica. Ambas as declarações dão a entender que o Presidente permanece no ativo exclusivamente devido às circunstâncias extraordinárias que Portugal atravessou desde a sua chegada - fogos, covid-19, guerra, inflação, para não falar na saída do procedimento por défice excessivo - e não é difícil acreditar nisso.
Mas essas circunstâncias extraordinárias são também a causa de uma Presidência mais exaurida do que qualquer outra - e tal é igualmente inegável. Marcelo Rebelo de Sousa viveu sete anos absolutamente inacreditáveis, esgotantes, sobre-humanos. A pressão e a atenção a que se sujeitou foram de um voluntarismo quase heroico, sem dúvida imprudente. Para uns, na busca vã pela popularidade. Para outros, na pragmática procura da estabilidade. Para ele, num contacto pós-político - e além regime - com o povo. Marcelo não reinventou só a função, inventou uma nova, com todos os riscos institucionais e de sucessão que isso acarreta.
Das controversas afirmações sobre os abusos na Igreja - depois retificadas e lamentadas - ao incidente diplomático com o Qatar esta semana, há uma fragilização recente na Presidência que confirma um desalento mais antigo em Belém e uma apreensão justificada no corpo diplomático.
No Palácio, o Presidente age consoante os seus instintos, não escuta, não ouve, não lê memorandos, não usufrui da Casa Civil. Nas visitas de Estado, quebra protocolo, exagera, revela, abandona o guião, conta conversas tidas com outros chefes de Estado diante de plateias, choca, sorri. No fundo, é ele. E talvez essa sua dimensão humana - a fadiga, os quilómetros diários, a adaptação a um mundo tão diferente do seu, a excentricidade - mereça respeito, cuidado, tolerância.
Como dizia a início, não sei se Marcelo fica, se sai. Não sei o que será da Presidência da República depois dele, nem o que será dele depois da Presidência. Mais uma inesperada ida às urnas, já para o ano, em plena crise, seria surpreendente. Um Presidente da República renunciar ao cargo sem cumprir a década que todos os seus antecessores cumpriram ainda mais.
Mas há alguma coisa nos últimos sete anos que não tenha sido?
Colunista